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Mas ainda existem parteiras?

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Nascimento aparado por parteira - Luciane Cabral
As parteiras são mulheres que aprenderam com parteiras mais velhas e experientes

Aos cinco anos de idade, comecei a aprender piano. Minha tia-avó, quem mais se aproximava de minha avó que falecera antes de eu nascer, me ensinou. Aprendi a ler com as mãos antes de ler as letras, e isso foi fundamental para o que faço hoje. Minha avó, de ascendência indígena do interior de Minas Gerais, com suas mãos e alma, cuidou de muitas mulheres e crianças. E, aos poucos, fui compreendendo o que ela me deixara: as rezas, as curas, os unguentos que ouvia nas histórias contadas por minha mãe.

Historicamente, o ciclo de gravidez, parto e maternagem pertencia a um universo feminino e familiar. A gestação, o parto e o cuidado com as crianças ocorriam cotidianamente no ambiente da casa e da família, envolvendo o uso de rezas, rituais e instrumentos domésticos. As mulheres eram, então, as atrizes principais desse processo. Com a crescente medicalização da vida, os fenômenos relativos ao ser mãe foram se tornando assuntos médicos, transferindo-se da casa para o hospital e dependentes de orientação científica especializada para que ocorressem de maneira satisfatória e “saudável”. O que antes ocorria permeado pelos saberes tradicionais (passados de geração em geração por parteiras, mães, avós, vizinhas e “comadres”) e era apreendido como natural e sagrado, começou a sofrer cada vez maior influência da figura masculina do médico e de seu cientificismo. Mas, essa mesma medicalização expôs mulheres e bebês a muitos riscos, por intervenções desnecessárias e cesarianas sem indicação.

Assim, na segunda metade do século XX, novos modelos de cuidado à gravidez e ao parto foram buscados, tanto no movimento de rever a obstetrícia quanto no resgate dos saberes e fazeres da parteria ancestral das mulheres, das práticas espirituais de compreensão e cuidado ao parto e seus entornos.

As parteiras são mulheres que aprenderam com parteiras mais velhas e experientes, bem como com suas próprias vivências de maternidade e as de suas ancestrais. São chamadas ao cuidado de outras mulheres, irmãs, amigas, primas ou mesmo desconhecidas que pedem por sua ajuda. As parteiras não disputam trabalho com enfermeiras nem obstetras, porque seu cenário de trabalho é a casa e não o hospital. Os focos do seu trabalho são a mulher, o bebê e a família, e não uma grande quantidade de pessoas assistidas todos os dias nos serviços de saúde. A parteira conhece a mulher que acompanha, seus limites e suas singularidades e, assim, a segurança do seu trabalho é construída; ela conhece os benefícios e os riscos das ervas que utiliza, as receitas que compartilha, medicinas naturais, energéticas e espirituais, são essas as suas ferramentas de trabalho. A parteira não compreende o cuidado ao parto enquanto simples moeda de troca e, por isso, busca organizar seu trabalho de modo que possa, ao mesmo tempo, garantir seu sustento e dar opções de troca diferentes para famílias com diferentes realidades.

As Parteiras são mulheres de fé. Fé na vida, fé que tem jeito, fé na humanidade. Elas sabem que a cada nascimento respeitoso que acontece mais perto estamos de um feliz mundo novo. Digo que fazemos Parteria Artesanal, feita com as próprias mãos, que cuida de famílias da nossa comunidade, que cura com as medicinas naturais e forma as aprendizes vivencialmente.

O evento do nascimento influencia toda uma vida. Dali até a vida adulta vemos padrões, comportamentos, vínculos, doenças e medos diretamente ligados à maneira pela qual a pessoa chegou ao mundo. Você foi desejada? Sua mãe sofreu algum grande estresse na gravidez? Ela teve prazer no parto? Estava sozinha? Teve apoio no resguardo e foi bem cuidada? Tudo isso diz sobre quem somos, a visão que temos do mundo, as escolhas que fazemos e a interface que fazemos com o outro.

É importante trazer à luz as histórias das mulheres da nossa família.

Quantas mulheres tiveram e têm sua história apagada do álbum de família por não terem se encaixado nas normas sociais da época ou no que esperavam delas, ou porque resolveram seguir o seu caminho? E por outro lado, quantas mulheres que permaneceram não relegaram à sombra seus desejos e chamados do coração a fim de conseguirem ficar?

Nós podemos, enquanto mulheres, ter consciência da árvore da vida da qual fazemos parte e na qual traremos ao mundo nossas filhas e filhos. 
Parteiras são mulheres que cuidam de mulheres. Apoiar a mulher em suas descobertas e conexões, em suas eurekas familiares, é fundamental para que ela saiba que não está sozinha, que há outra mulher com ela nesse processo que por sua vez já trilhou esse caminho.

E, ao final do dia, nos daremos conta de que o quanto mergulhamos, transmutamos, conciliamos e libertamos rumo à felicidade (que é sentimento coletivo e não individual), não o fizemos somente por nós, mas por nossas filhas, sobrinhas, afilhadas e todas as que virão depois de nós, porque viver com sinceridade e guardar os partos e nascimentos é remexer na história do mundo e fazer crer que a vida vale a pena.

 

Coluna coletiva assinada pela Casa Lua Cheia.

 

Edição: Carolina Ferreira