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A “cara do governo” no ENEM é a de destruição

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O número de inscritos para esta edição é o menor desde 2005, e esse recorde negativo não é casual, mas causal.
O número de inscritos para esta edição é o menor desde 2005, e esse recorde negativo não é casual, mas causal. - Divulgação Enem
Tentar destruir a legitimidade do ENEM é parte importante do método de Bolsonaro

Nos próximos dias 21 e 28 de novembro, pouco mais de três milhões de estudantes farão o Exame Nacional do Ensino (ENEM).

Isso, claro, se de fato comparecerem, vencendo o desânimo e a desconfiança provocados por um exame “com a cara do governo”, conforme definido pelo presidente Bolsonaro e pelo ministro pastor da Educação, Milton Ribeiro, acusados de, nesta 23ª edição do ENEM, terem cometido toda sorte de manobras e ações espúrias para interferir no conteúdo das provas.

O escândalo (mais um dentre tantos desse governo) veio à tona no último dia 8 de novembro, quando 37 servidores de carreira do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP diretamente envolvidos na realização das provas do ENEM pediram exoneração, denunciando assédio moral, intimidação, ideologização, censura, fraude, desmonte de diretorias da autarquia, sobrecarga de trabalho e desprezo, por parte de quadros do governo, de aspectos técnicos para a tomada de decisões determinantes à excelência do exame.

A razão para isso, uma só: Bolsonaro queria acesso prévio ao conteúdo das provas.

Entre as denúncias mais graves, a de o diretor de Avaliação de Educação Básica do Inep, Anderson Oliveira, ter retirado mais de 20 questões (depois reinseriu 13 delas) da primeira de três versões da prova de 2021 por considerá-las “mais críticas”, mas sem explicar o porquê.

Neste caminho, tentou incluir 22 “profissionais” não aprovados em editais de seleção para acompanhamento e seleção das questões do ENEM, mas alinhados ao governo, para ter acesso à prova e às questões, e mais uma vez foi obrigado a recuar com a reação dos servidores que se contrapuseram a tal intervenção.

Os servidores, no entanto, mencionaram a preocupação de Bolsonaro com a reeleição e com pautas democráticas conflitantes com suas falas e práticas totalitárias. Outro absurdo, a inédita presença de um policial federal nos espaços restritos à formulação das provas, para evidente intimidação dos servidores.

Tudo isso com a anuência do presidente do INEP, Danilo Dupas, sem qualquer preparo e experiência para o cargo, mas homem de confiança de Milton Ribeiro. Para a Defensoria Pública, Dupas “tentou intervir no ENEM de forma nunca antes vista”.

Em 2018, numa das primeiras lives feitas logo após a sua eleição, Bolsonaro prometeu que iria acabar com o que sua mentalidade tacanha e ditatorial via como “ideologização na Educação”.

É das poucas promessas que se empenha em cumprir, e encontrou neste que já é o seu quarto ministro da Educação o sabujo ideal para o intento, afinal, em junho passado, reportagem do jornal Folha de São Paulo apresentou documentos comprovando a intenção de Ribeiro de criar uma certa “comissão de revisão ideológica” das provas do ENEM, o que só não foi efetivado devido à péssima repercussão popular.

Mas seguem teimando em dar também à Educação “a cara do governo”, cuja expressão mais marcante é a destruição derivada do único sentimento verdadeiro em Bolsonaro: o ódio, com especial afinco contra o conhecimento, essa arma capaz de interromper seu projeto genocida de governo, e não apenas em uma pandemia.

“Há método nessa loucura” (Shakespeare)

Desde o início de seu governo, Bolsonaro tem feito de tudo para destruir o ENEM, interferindo não apenas nas questões, mas também na estrutura logística de realização dos exames, resultando em salas super lotadas, estudantes barrados nos portões de acesso aos locais das provas, o que provoca queda nas inscrições (especialmente de estudantes de escolas públicas) e abstenções.

O número de inscritos para esta edição é o menor desde 2005, e esse recorde negativo não é casual, mas causal. Nos governos anteriores, a média anual de inscritos era de 6 milhões, com participação efetiva de cerca de 5 milhões de estudantes. A partir do governo Bolsonaro, a queda é alarmante: em 2019, foram 3,9 milhões de candidatos; em 2020, também em razão da pandemia, apenas 2.470.396 estudantes participaram, um recorde de abstenção.

Tentar destruir a legitimidade do ENEM é parte importante do método de Bolsonaro para fragilizar ainda mais a Educação Superior, que sempre considerou uma inimiga.

Desde a sua criação, em 1998, o ENEM é uma das principais vias de acesso ao ensino superior, permitindo a estudantes com bom desempenho no exame concorrer às vagas nas universidades públicas de todo o país, bem como à seleção para programas de incentivo ao ensino superior, tais como o Prouni e o Fies. E não só: universidades particulares também adotam como critério de seleção a nota do ENEM.

O ENEM não é do governo, é uma política de Estado, o mesmo que Bolsonaro, diariamente, se empenha em destruir para exclusivo benefício dos suspeitos de sempre – ele aí incluído.

Em constante e ferrenha defesa da Educação, do direito de todos e todas a ela, bem como de todos os direitos derivados da democracia, seguimos em luta.

*Diretoria da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB - S. SInd. do ANDES-SN)

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino