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O trabalho doméstico e seus direitos

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Dos 7,2 milhões de trabalhadores domésticos no país, 93% são mulheres, sendo a maioria formada por mulheres negras
Dos 7,2 milhões de trabalhadores domésticos no país, 93% são mulheres, sendo a maioria formada por mulheres negras - Reprodução
O emprego doméstico é parte do quadro de racismo estrutural do nosso país

O emprego doméstico é parte do quadro de racismo estrutural do nosso país, ampliado pelo machismo e as desigualdades regionais. Os dados de 2015, analisados pelo Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada (IPEA), revelam que o número de mulheres negras no emprego doméstico é quase o dobro do número de mulheres brancas e 11 vezes maior que o número de homens.

À época, quase 4 milhões de mulheres tinham por ocupação o trabalho doméstico. Sem a realização do Censo 2021 deixamos também de obter dados sobre como o atual cenário econômico impacta na vida dessas mulheres.

Na região Centro-Oeste, 23,7% das mulheres negras empregadas ocupam-se no trabalho doméstico, isso significa quase uma a cada quatro mulheres. Essas mulheres sofrem, ainda, com a não totalidade dos direitos mínimos trabalhistas, como o Fundo de Garantia e apenas 26,4% das empregadas domésticas no país possuem registro em Carteira de Trabalho. As empregadas negras recebem em média 15% menos que as mulheres brancas.

Mulheres negras possuem uma expectativa de vida de 69,5 anos, enquanto mulheres brancas 73,8 anos. Essa diferença se dá pelo conjunto de acesso a serviços públicos, direitos, moradia, acesso a saneamento básico, saúde, educação, condições de trabalho. Somamos a isso a saúde mental, tão mencionada nos últimos tempos, para justificar ações egoístas de parcelas da população frente aos desafios da pandemia.

:: “A empregada doméstica sempre é invisibilizada, não só agora na pandemia”  ::

Os dados referendam o racismo e a precarização a qual essas mulheres são submetidas ao longo da vida. E a negação de direitos, constante nessas existências, também aparece em um dos marcos das relações de trabalho, a aposentadoria. Pelo baixo número de registros em carteira, a maior parte dessas trabalhadoras iniciam o processo de aposentadoria apenas por idade. Vivendo no emprego exaustivo, seus corpos cansados e por vezes adoecidos necessitam dessa diminuição na carga de trabalho. 

O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) informou, em janeiro deste ano, que o INSS fechou 2020 com quase 1,7 milhões de benefícios na fila de concessão. Considerando o racismo estrutural, certas categorias sofrem mais com a morosidade do INSS. O Supremo Tribunal Federal pactuou, em 2019, que o INSS teria prazos maiores para a análise dos pedidos de aposentadoria, sendo estendido de 30 para 90 dias.

:: 600 mil empregadas domésticas deixaram de contribuir com a Previdência em 2020 ::

No entanto, temos acompanhado processos que se estendem por mais de 24 meses, todos de mulheres oriundas do emprego doméstico.

Além do direito à aposentadoria, partilhamos alguns dados necessários para que essas trabalhadoras lutem por melhores condições de trabalho.

Os tópicos são resultantes das oficinas “Laudelinas E(m) Cena: Teatro do Oprimido e Direitos Sociais” realizada em junho de 2019 por estudantes da Universidade de Brasília, inclusive Gabriela que assina esse texto, e contou com apoio do Instituto Federal Brasília - Campus São Sebastião.

Você sabe quem foi Laudelina de Campos Melo?

Laudelina de Campos Melo foi uma mulher negra, nascida em Minas Gerais, que dedicou sua vida às lutas pelos direitos das mulheres trabalhadoras domésticas. Fundadora do primeiro sindicato de trabalhadoras domésticas no Brasil, sua história é um exemplo de luta contra as opressões.

Dupla Jornada de Trabalho 

Um termo destinado especificamente às mulheres? 

O termo "dupla jornada de trabalho" se refere às duas cargas de trabalho realizadas por uma mulher trabalhadora: as funções que ocupa no emprego remunerado e os afazeres no ambiente domiciliar, após sua jornada "oficial" de trabalho.

Embora o esforço que a mulher realiza no ambiente doméstico não seja remunerado, ainda assim exige plena dedicação das trabalhadoras ao círculo familiar. É neste mesmo espaço que, muitas vezes, não cabe a ela evidenciar o seu cansaço e exaustão por uma situação na qual não há possibilidade de divisão das atividades domiciliares.

O início da desvalorização

Com o início da Revolução Industrial, a partir do ano de 1760, a manufatura foi dando lugar ao surgimento das máquinas a vapor. Esse desenvolvimento industrial acabou arruinando a vida das artesãs, pois os produtos eram confeccionados pelas máquinas com uma maior rapidez. Assim, a população passou a comprar das fábricas, tirando o lucro das mãos das mulheres.

Desde então, elas se tornaram responsáveis pelas atividades da casa, mas sem receber nenhuma renda. Lembrando também que, no contexto brasileiro, devido ao regime de escravidão, as mulheres negras eram totalmente responsáveis, nas casas dos senhores e em suas próprias casas, pelo trabalho de limpar, cozinhar e lavar. Isso pode nos ajudar a entender a desvalorização do trabalho doméstico de mulheres nos dias de hoje. Uma vez que o serviço de mulheres escravizadas não era remunerado e sim, uma obrigação que não poderia ser questionada. 

Já pararam para pensar sobre o que poderíamos fazer com o nosso tempo se não precisássemos fazer sozinhas as atividades domésticas diariamente? 

Atualmente, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), as mulheres se dedicam aos afazeres domésticos por aproximadamente 18,1 horas semanais. Tendo esse número em mente, é necessário considerar as diferenças entre as realidades de homens e mulheres, de pessoas negras e de pessoas brancas, para compreender melhor o quão desigual é esse trabalho e refletir o porquê de escutarmos tanto o lema "isso é serviço de mulher!". 

O Serviço Doméstico como Trabalho Assalariado 

Para além de uma jornada dupla, o trabalho doméstico é a ocupação empregatícia de 7,2 milhões de brasileiras e brasileiros. Ou seja, muitas pessoas dependem unicamente desse emprego para obterem uma renda salarial que sustente sua família. 

Dos 7,2 milhões, 93% são mulheres, sendo a maioria formada por mulheres negras, que são aproximadamente 62% das trabalhadoras domésticas no Brasil. 

Informativo! 

Os vínculos trabalhistas estão cada vez mais dispostos à "informalidade" e ausência de leis que possibilitem real proteção para as mulheres e seus direitos como trabalhadoras. A partir disso, percebe-se a desvalorização cada vez mais evidente em relação às especificidades vividas por mulheres no ambiente de trabalho.

* Gabriela Soares, do Coletivo Família Hip Hop

** Suelen Gonçalves, do Coletivo Família Hip Hop

** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa  a linha do editorial  do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino