Coluna

Como a política ajudou a rebaixar o Grêmio

Imagem de perfil do Colunistaesd
A disputa interna não é a única responsável pelo rebaixamento do clube, mas contribuiu para o clima permanente de tensão que o clube vivenciou no campeonato - Lucas Uebel/Grêmio FBPA
Um série de fatores convergiram para uma morte não-anunciada

Como o Grêmio com jogadores de três seleções, salários em dia, superávit no caixa conseguiu cair para a segunda divisão? Essa é a pergunta que torcedores e jornalistas se fizeram com a permanência do tricolor gaúcho na zona de rebaixamento por todo o campeonato.

Um série de fatores convergiram para uma morte não-anunciada: efeitos da covid-19 que afastou parte do elenco, uma transição mal feita de um modelo de gestão e de jogo que estava esgotado após cinco anos, contratações equivocadas, divisões no elenco, entre outros. Mas a política partidária também contribuiu para o naufrágio do clube.

Quando o clube saneou suas finanças, ganhou campeonatos importantes e se tornou uma referência nacional dentro e fora de campo, o nome do presidente Romildo Bolzan, ex-prefeito de Osório (RS), foi imediatamente alçado pela sua legenda, o PDT, para a disputa nas próximas eleições em 2022. Bolzan seria um nome para disputar o governo estadual, oferecendo um palanque forte para Ciro Gomes no estado ou, no mínimo, disputaria o senado. O histórico da torcida gremista em votar em ídolos parecia confirmar a hipótese, ex-jogadores como Danrlei (deputado federal), Jardel (deputado estadual) e Dinho (ex-vereador) e dirigentes como Paulo Odene (ex-deputado estadual) e até um torcedor, o Gaúcho da Geral (deputado estadual), já foram bem sucedidos em outros pleitos.

Apesar de negar publicamente a possibilidade, na prática, Bolzan dedicou os últimos meses à campanha, visitando consulados de torcedores no interior e costurando articulações políticas. O afastamento do cotidiano do clube era possível porque parte da receita vencedora do time nos últimos anos se devia a terceirização de todo o Departamento de Futebol para o técnico Renato Portaluppi. Com o treinador tomando as decisões mais importante, Bolzan podia dedicar energia aos seus projetos pessoais. Quando o modelo se esgotou, Romildo relutou em encerrar a parceria com Renato, mas principalmente não conseguiu reestruturar em tempo a organização do futebol do clube.

A inclinação partidária movimentou também a política interna do Grêmio. O clube possui pelo menos 19 movimentos políticos internos no seu Conselho e vivia uma pacificação graças aos títulos incontestáveis, maior cabo eleitoral para que Romildo vencesse duas eleições, mudasse o estatuto do clube para ser aclamado para um terceiro mandato. Se de fato concorresse nas eleições do próximo ano, o presidente precisaria deixar o cargo antes do final da atual gestão. Com isso, a oposição passou a trabalhar para eleger o sucessor. Não faltaram vazamentos dos problemas para a mídia, exposições de diferenças internas e reclamações em público para desgastar a diretoria e projetar novos nomes.

Em 2008, o clube já havia passado por situação parecida, quando liderava o campeonato brasileiro com larga vantagem sobre os adversários. A disputa pela sucessão mais uma vez entrou nos vestiários e interferiu no desempenho da equipe que acabou o campeonato assistindo a volta olímpica do São Paulo.

A disputa interna não é a única responsável pelo rebaixamento do clube, mas contribuiu para o clima permanente de tensão que o clube vivenciou no campeonato. Agora, o clube que há quatro anos disputava a final do Mundial Interclubes contra o Real Madri disputara partidas contra adversários menos ilustres. A candidatura de Romildo Bolzan está condenada, mas nem os apelos de unidade para superar a situação devem pacificar outra vez o ambiente do clube até a próxima eleição.

 

*Antônio Kanova é jornalista e mestrando em Geografia pelo programa TerriroriAL da Unesp; Miguel Stédile é Doutor em História pela UFRGS e editor do Ponto Newsletter

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Anelize Moreira