Rio Grande do Sul

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A coisa mais querida

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Famílias atingidas por deriva aérea de agrotóxicos se reúnem após um ano do crime - Foto: Maiara Rauber
A natureza está ameaçada. Seguindo assim, como cantou Caetano, há que esperar o pior

Na festa Multishow ao vivo, captando recursos para o Natal Sem Fome, neste sábado (18), lá pelas 21 horas a plateia pediu ao Caetano para cantar “Camaleoa” (Rapte-me Camaleoa). Ele fez que sim, balançou a cabeça, mas naturalmente seguiu seu roteiro, cantou Luz do Sol. Milhões devem ter visto.

Acertou em cheio.

E nos permitiu pensar que não há de ser raro que um um adulto, homem ou mulher, precise contrariar multidões para reafirmar seu propósito. Vivemos tempo de mudanças, onde só a persistência de avançar pelos caminhos traçados, pode garantir a coerência das mensagens pretendidas. Isso revela coragem. E a coragem, com poesia, é força que contagia.

“Marcha o homem sobre o chão, leva no coração uma ferida acesa”, cantava ele na mesma semana em que os agricultores de Nova Santa Rita se reuniram, sob imensa figueira, para discutir as atividades de um ano de luta contra a pulverização de agrotóxicos, sobre suas casas.

Chuva de venenos, hortas destruídas, animais perdendo crias, crianças e adultos com tonturas, dores de cabeça e um medo pior do que o da morte. Uma visão de futuro incerto, ameaças, discussões com vizinhos, desesperança.

Pressões, confrontos, divisões no grupo. Mas também expansão, fortalecimento, atração de outros, porque sim, a coragem contagia. E aquele drama desigual despertou a muitos. Ali estava em jogo algo maior. A chuva de venenos, uma realidade abjeta, criminosa, inaceitável. E mesmo assim naturalizada sob proteção de um Estado cativo de transnacionais e cúmplice de elites corruptas, permitindo avançar desrespeitos aos direitos humanos, à Constituição federal e à civilidade mínima que nos faz, todos, responsáveis pela vida dos que não têm voz.

Chuvas de veneno que afetam tantos espaços que já não há água limpa. Em breve, mantida esta condição, talvez não restem espaços para alimentação da saúde e da energia que permitam ao povo dizer não.

A natureza está ameaçada. Seguindo assim, como cantou Caetano, há que esperar o pior. O homem “dono do sim e do não diante da visão da infinita beleza, finda por ferir com a mão esta delicadeza. A coisa mais querida. A glória da vida”.

E em Nova Santa Rita, os agricultores disseram não. Disseram: Aqui, não.

E isto animou outros a se incorporarem em sua luta, pela vida. É uma luta pelos que não entendem ainda, o que está em questão. Mesmo estes, estavam em espírito sob aquela figueira, dia 15 de dezembro, quando mais de duas dezenas de entidades e organizações municipais, regionais, estaduais reafirmaram seu compromisso de parceria, e agendaram novas reuniões para o mesmo local, em outros momentos. Dia 15 de dezembro de 2022, sob aquela árvore, veremos o que será possível obter neste próximo ano desta construção coletiva que anima o espírito humano a ir adiante em sua luta pela solidariedade, sob a luz do sul.

Caetano é o poeta que disse que gente é pra ser feliz, não pra morrer de fome. E aquelas pessoas, que venceram a fome, e conquistaram aquela terra onde produzem alimentos limpos, são o novo, são a mudança e coragem, que reafirmam sonhos de futuro na prática de suas ações. Sim, somos energia. Somos passos adiante da luz do sol que a folha traga e traduz em verde novo, em folha, em graça, em vida, em força e luz.

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko