Paraíba

CULTURA NO FLANCO

Centenas de denúncias eclodem contra a Secult-PB frente à gestão da Lei Aldir Blanc 2021

Fóruns e movimentos sociais se preparam para tomar providências jurídicas e institucionais

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Internet - Marcus Mesquita/MidiaNews

Diante de diversas irregularidades e de uma legião de candidatas/os revoltadas/os com todo o processo de execução da Lei Aldir Blanc (LAB) 2021 na Paraíba, agentes culturais, fóruns e movimentos sociais vêm se movimentando para tomar providências jurídicas e institucionais contra a Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba.

Na última segunda-feira (3) um formulário público online foi lançado para realizar o mapeamento das denúncias e irregularidades. Clique aqui para ter acesso ao Formulário - disponível até o próximo domingo (9): Mapeamento de problemas relacionados à LAB Paraíba - Fase 2

Segundo o Fórum dos Fóruns de Cultura da Paraíba (FdF-PB), em menos de 48 horas já haviam sido registradas cerca de 200 denúncias. Após o próximo domingo (9), o formulário irá para análise da equipe jurídica do FdF-PB, que já estuda as medidas legais a serem tomadas em instâncias do judiciário e órgãos de controle. 


Prêmio Parrá – Seleção e premiação de 193 projetos culturais e pagamento de prêmios de R$ 10 mil, R$ 30 mil e R$ 50 mil / Prêmio Mãe Maria do Peixe – Seleção e premiação de 116 vídeo-biografias apresentadas por iniciativas coletivas. Serão pagos prêmios em duas categorias: R$ 25 mil e R$ 55 mil / Prêmio Wills Leal – Seleção e premiação de 300 vídeo-biografias apresentadas por iniciativas individuais. Prêmio de R$ 5 mil /Prêmio Hermano José – Seleção e a premiação de 730 obras físicas. Prêmios de R$ 5 mil e R$ 10 mil

Denúncias sobre o processo da Lei Aldir Blanc 2021 na Paraíba

Criada para ser uma política emergencial de investimento no setor cultural, fortemente afetado pela pandemia da Covid-19, a LAB já injetou cerca de R$ 3 bilhões no setor em todo o país. Na Paraíba, o Governo do Estado recebeu um repasse de R$ 36 milhões, aplicados entre os anos de 2020 e 2021. 

Os movimentos sociais e o Fórum dos Fóruns de Cultura da Paraíba - entidade que reúne fóruns e redes de cultura de todo o estado, têm denunciado improbidades administrativas na gestão dos recursos e má condução por parte do Secretário de Cultura, Damião Ramos Cavalcanti, na pasta em geral, e principalmente, na implementação da LAB 2021.

São diversos os problemas: desde aprovação de projetos de proponentes com parentesco direto a funcionários e pareceristas da Secult-PB - envolvendo a alta cúpula do órgão - além de projetos aprovados de proponentes que não se adequavam aos requisitos documentais dos editais e sem atuação cultural comprovada.

Além disso, a falta de transparência e comunicação institucional deixou agentes culturais desassistidos de informações; listas de resultados finais contendo variados erros, como o sumiço de proponentes e projetos já habilitados em fase de avaliação documental; publicação de listas de resultados completamente erradas, sendo lançadas inúmeras erratas posteriormente contendo, novamente, outros erros; proponentes considerados vencedores num dia e no dia seguinte, após publicação de errata, passarem a suplentes ou desclassificados. 

Segundo o movimento cultural, desde 2020 o Secretário de Cultura Damião Ramos Cavalcanti vem se recusando a dialogar com a sociedade civil. Ele também entrou em confronto direto com o Conselho Estadual de Cultura de forma agressiva e arbitrária.

LAB já injetou cerca de R$ 3 bilhões no setor em todo o país - na Paraíba, o Governo do Estado recebeu um repasse de R$ 36 milhões, aplicados entre os anos de 2020 e 2021

“Todos os problemas expostos foram agravados pela ausência histórica de políticas culturais sérias na Paraíba. A falta de funcionamento regular do Fundo de Incentivo à Cultura Augusto dos Anjos (FIC) e a redução orçamentária dos órgãos culturais têm gerado um profundo desinvestimento no setor, que já vivia um estado de apagão de políticas públicas antes mesmo da pandemia. Além disso, a ausência de Plano Estadual de Cultura que conduza as políticas culturais e a inexistência de um mapeamento cultural que identifique os agentes são lacunas que contribuíram para a fragilização da implementação da LAB na Paraíba. A Secult segue descumprindo as legislações federal e estadual de forma abusiva e continuada, ferindo princípios constitucionais”, explica o Fórum dos Foruns em nota enviada diretamente ao BdF-PB.

“Ficou impossível conseguir mapear tudo, então fizemos um formulário para que as pessoas de todo o estado possam colocar suas questões e dizer exatamente quais foram os problemas que encontraram”, explicou Dina Faria, Produtora Cultural.

As denúncias continuam: há proponentes que foram habilitados mas na hora da avaliação simplesmente desapareceram da lista, e proponentes que foram premiados e, passadas 24 horas, apareceram numa segunda lista como suplentes, com nota inferior a quem desta vez foi premiado. 

Tem gente que foi classificada em todos os editais, e há pessoas que se inscreveram e o nome não aparece em nada, nem em lista alguma. O edital Mãe Maria do Peixe, que leva o nome de uma mulher de terreiro, não obteve nenhum terreiro ou associação ligada às religiões de Matriz Africana com premiação.

Segundo Dina Faria, há mestres e mestras da cultura popular que simplesmente foram apagados da premiação de Mestres.

“É crime o que está acontecendo. A gente não pode mais falar que é apenas incompetência porque isto é, inclusive, passar um atestado de incapacidade da Secult, quando não é o caso, quando a gente já está a assistir a situações que são criminais e que beiram coisas muito complicadas, inclusive a desvio de função da própria Secult. Tem uma coisa estranhíssima no meio, por exemplo, por que não é o Fundo Estadual de Cultura que está fazendo a operacionalização da Lei Aldir Blanc, e sim a Secult? Se antes era o FIC, então, por que mudou?”, questiona Dina.

Fórum de Circo da Paraíba ganha direito na justiça

Durante a execução da LAB, o Fórum de Circo da Paraíba conquistou uma liminar na justiça cuja vitória impediu a Secult de desclassificar Circos itinerantes de forma arbitrária, como vinha fazendo antes.

O mesmo Fórum chegou a levar denúncias de irregularidades à Secult-PB, como o caso de organizações de fora do estado que pleitearam e receberam recursos da Lei Aldir Blanc local em 2020, tendo o órgão recusado-se a receber tais denúncias, alegando não ser o seu papel averiguar.

Walter Olivério,membro do Fórum de Circo, explica que a Secult criou uma nova regra, através de uma resolução, já no final do processo de curadoria, onde exigia que o Circo pleiteante permanecesse no mesmo local até o final do processo, o que, evidentemente, por seu caráter itinerante, eliminaria alguns Circos.


Arquivo Pessoal / Imagem Reprodução

A categoria entrou na justiça contra esta regra e receberam a decisão da Desembargadora Maria das Graças Morais Guedes, que deu parecer favorável, obrigando a Secult a habilitar esses circos que saíram do local: “Com efeito, o Ato de Retificação do Edital, após a prestação de todas as fases, afigura-se abusivo e desleal, além de ser desarrazoado com o próprio critério de tradição e caráter deambulante dos Circos. Ora, considerando que o critério inicial era privilegiar a instalação, por um período mínimo de tempo, no Estado da Paraíba, a exigência posterior de permanência definitiva se contrapõe à própria atividade circense tradicional, que é nômade”, declarou a Desembargadora na Decisão Liminar.


IPHAN emite nota acusando Secult de racismo religioso

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) emitiu uma Nota Técnica onde acusa a Secult-PB de racismo religioso e institucional dentro do processo de avaliação do Edital Maria do Peixe.

Segundo Mãe Tuca, do Fórum de Comunidades e Povos Tradicionais, várias reuniões com segmentos e também com povos tradicionais aconteceram antes de serem lançados os editais. Ela explica que, no roteiro de videobiografia, que constava no edital, eram exigidos itens que não contemplam a categoria de Matriz Africana. 

“Vou te dar um exemplo: no edital pergunta onde você se apresentou? Quem se apresenta é circo, já Matriz Africana é um espaço sagrado, é diferente. E todos que se inscreveram como cultura tradicional, mesmo estando habilitados, não foram classificados. O edital contemplou a cultura popular, música, dança, mas a cultura afro-brasileira não foi contemplada. Nós de matriz africana vivemos com o racismo e não usamos mais o termo intolerância religiosa. Já é uma matéria que foi pacificada no STF. Isso definitivamente é racismo religioso!”

O IPHAN da Paraíba lançou uma nota técnica corroborando com a denúncia de racismo religioso: “A notória percepção da indisposição por parte da coordenação da comissão de análise do prêmio Mãe Maria do Peixe, durante todo o processo de apreciação das iniciativas inscritas no Edital, em compreender que grupos que atuam em segmentos artísticos e culturais não diretamente relacionados à práticas lúdicas e performáticas, coletivos engajadas com saberes, ofícios, formas de expressão e celebrações populares e tradicionais, envolvidos com e pelo cotidiano prático do trabalho, da vida Religiosa e espiritual, integram o que as Ciências Sociais conceituam como cultura popular e cultura tradicional [...]. Essa dificuldade de compreensão ou incompreensão provocou sérias contradições no processo de análise dos coletivos inscritos no Edital e Concurso Público nº 04/2021”, dispara a nota do Iphan, logo no início do documento.

Mãe Tuca conta que fizeram uma carta em protesto e entregaram em mãos a Damião Ramos Cavalcanti, Secretário da Secult-PB. Esta carta também foi protocolada na Ouvidoria PB. 

Leia a nota IMPUGNAR O RESULTADO do Edital “Mãe Maria do Peixe - Maria dos Prazeres Santos Soares”, vinculado à Lei Aldir Blanc, emitida por diversas entidades ligadas à cultura e às religiões de Matriz Africana:
 

Na nota do Iphan, a Secult-PB também foi acusada de eliminar, propositalmente, candidatos de perfil popular, prejudicando inúmeros mestres e brincantes das culturas populares, já em situação de vulnerabilidade. 



 

Edição: Heloisa de Sousa