Ação social

Jovens de favela de São Paulo estudam música clássica e conquistam principais palcos do mundo

Há 25 anos, Instituto Baccarelli oferece formação musical de excelência para moradores de Heliópolis

Ouça o áudio:

Anualmente projeto atende pelo menos 1.200 crianças e adolescentes a partir dos 4 anos - Instituto Baccarelli
Nosso principal objetivo é formar serem seres humanos melhores

A harmonia das notas, a cadência dos arranjos e o ritmo das escalas musicais. Tudo precisamente afinado e ensaiado ao limite para interpretar grandes nomes da música clássica. Quem acha que essa experiência está restrita apenas a ambientes eruditos e elitizados precisa ampliar esse conceito.

Na favela do Heliópolis, uma das maiores de São Paulo, milhares de crianças e jovens se dedicam ao estudo da música gratuitamente, com nomes de referência no cenário artístico nacional e com toda a estrutura necessária para evoluir na arte.

As atividades ocorrem no Instituto Baccarelli, uma organização não governamental que há 25 anos ensina música clássica e popular para os moradores da comunidade.

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Quem está lá pelo menos duas vezes por semana é o estudante Gustavo Lima da Silva, de 10 anos, que estuda percussão e coral. “Eu comecei aqui faz mais ou menos 4 anos. Eu já fiz pré, coral e agora estou no coral 1C e na percussão. É muito bom cantar, tocar e aprender coisas novas”, disse.

O também estudante Felipe Pereira Batista, de 11 anos, compartilha todo esse aprendizado sobre música, nas aulas de violino. “Eu comecei em 2016 porque meu amigo me incentivou a vir aqui. Aí pensei: “legal, eu gosto muito de música!” Então, em 2018 me chamaram para fazer violino, eu me dediquei muito e gosto bastante de estar aqui.”


Alunos estudam com grandes nome da música clássica nacional, como o maestro Isaac Karabtchevsky / Instituto Baccarelli

O responsável pelas primeiras ações do projeto foi o maestro Silvio Baccarelli, falecido em 2019. Ele começou a articular as atividades após um incêndio que desabrigou centenas de pessoas em Heliópolis, em 1996.

Desde então, nota por nota, arranjo por arranjo e estudo por estudo o projeto conquistou uma sede própria de 5 mil metros quadrados e atende anualmente pelo menos 1.200 crianças e adolescentes a partir dos 4 anos. Eles são divididos em turmas de musicalização, coral, instrumentos e orquestras.

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Uma delas é a Sinfônica Heliópolis, a primeira do mundo fundada em uma favela, que hoje conta com direção artística e regência do maestro Isaac Karabtchevsky, um dos nomes mais importantes da música clássica da atualidade.

Maryana Cavalcante Nascimento de Oliveira tinha só 11 anos quando começou a frequentar as aulas de coral do Instituto Baccarelli e afirma que a experiência foi marcante para o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Eles têm todo apoio para sair daqui sabendo que podem ser o que quiserem

“Eu comecei aqui no instituto com 11 anos no coral. Depois passei para o instrumento, a bateria, e segui para percussão orquestral. Entrei na Orquestra Sinfônica Heliópolis e participei da nossa primeira turnê internacional. Fiz faculdade de música, comecei a dar aula e agora faço pós-graduação em percussão brasileira”, disse a professora do Instituto.

Porém, na opinião dela, o papel do Baccarelli não é apenas formar músicos: “As pessoas podem pensar que nosso papel é formar músicos profissionais. A gente tem essa estrutura para quem quiser, como todo material físico e professores. Mas o principal objetivo é ajudá-los a serem seres humanos melhores. Aqui eles terão a convivência com os colegas, com os professores e terão todo apoio para sair daqui sabendo que eles pode ser o que quiserem.”

Podemos fazer música de uma forma muito humana e o respeito prevalece sobre toda nossa vida

Para ingressar no Baccarelli, as crianças devem morar em Heliópolis e estar matriculadas na escola, preferencialmente pública. Tudo é gratuito, inclusive o transporte dos alunos, por meio do Busccarelli, um ônibus exclusivo para trazer e levar os pequenos músicos para as aulas e para apresentações musicais, que ocorrem nas principais salas de concerto de São Paulo e também em parques, escolas e outros espaços públicos.


Crianças podem iniciar os estudos a partir dos 4 anos, nas aulas de musicalização / Instituto Baccarelli

No Instituto, os alunos seguem uma trajetória de aprendizagem: eles começam aos 4 anos, nas aulas de musicalização, que introduzem as crianças nos estudos de música, brincando. Depois, os alunos passam para o coral, onde aprofundam suas habilidades. A próxima etapa são os instrumentos, em uma grande variedade de modalidades de sopro, cordas, madeiras e percussão. Depois disso, os que desejarem seguem para as atividades de profissionalização.

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“Nós podemos fazer música de uma forma muito humana e o respeito prevalece sobre toda nossa vida. Quem quer gentileza tem que ser gentil”, disse o professor de violino do Instituto, Fábio Roberto de Almeida, que há oito anos leciona na organização. “A gente tem grande participação dos pais nesse processo, o que fortalece bastante para que eles possam ir bem na vida e não só no violino. A gente ensina uma série de habilidades para tocar o instrumento. Depois eles vão para um curso preparatório e estão prontos. Hoje tem alunos nas principais orquestras do Brasil e do mundo, na Suíça, nos Estados Unidos. É um motivo de muita felicidade.”

Com ensino de excelência e com compromisso social, o Instituto Baccarelli prova que a música é também uma ferramenta de desenvolvimento, de geração de oportunidades e de combate a pobreza e a exclusão social.

Edição: Douglas Matos