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Minas Gerais: terra em transe

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No conjunto recente de desastres ambientais em Minas é evidente como certos grupos sociais são mais afetados que outros - Foto: DOUGLAS MAGNO / AFP
A necessidade de mudança está posta e com regime de urgência

Calamidade é a palavra que melhor define a condição atual de Minas Gerais. São mais de São 370 municípios em situação de emergência em razão das chuvas, com milhares de famílias desabrigadas e regiões inteiras ilhadas. Há inúmeras rodovias interditadas por crateras abertas ou em risco de desabamento. No último domingo, vimos imagens chocantes da BR-040 alagada com o barro que transbordou do dique da Mina de Pau Branco na altura do município de Nova Lima e do desabamento da rocha em Capitólio, no lago de Furnas, no Sudoeste do estado.

As imagens e a vivência de tal situação são chocantes, porém não deveriam nos causar tanta surpresa. Por que digo isso?

Há exatos três anos, em 25 de janeiro de 2019, ocorreu o rompimento criminoso da barragem da Vale em Córrego do Feijão, município de Brumadinho. Quatro anos antes, em 5 novembro de 2015, vimos o rompimento da barragem da Samarco/Vale/BHP Billiton em Bento Rodrigues, município de Mariana.

Os episódios de Mariana e Brumadinho não inauguraram os desastres socioambientais causados pela mineração em Minas Gerais, mas marcaram sobremaneira a vida de todos os mineiros e a história recente de nosso estado. Sua repercussão a nível nacional e global rendeu inquéritos judiciais, CPIs na ALMG e no Congresso Nacional, alterações legislativas e uma série de programas para fins de reparação da população e dos territórios atingidos. Vale lembrar: toda essa movimentação foi, sem exceção, impulsionada e sustentada pelos movimentos de atingidos por barragens e organizações populares de luta pela terra.

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Entretanto, a despeito dessa luta incansável, não vemos esforços consistentes de alteração do modelo minero-agro-hidroexploração em Minas Gerais. Isto é, não há sinais de construção do que seria uma transição ecológica em Minas e no Brasil com vistas a uma relação menos predatória com a Casa Comum. Veja, não estamos propondo aqui o abandono completo da mineração. Mesmo cética da viabilidade de uma mineração sustentável, acredito ser possível a condução responsável dessa atividade econômica. Como já havia nos alertado Arthur Bernardes, "minério não dá duas safras". Decorre-se daí que a mineração responsável deve também vir acompanhada da abertura de novas alternativas produtivas em Minas.

O alcance desse debate não se restringe às fronteiras do estado ou do país, mas são de fato planetárias. Não é demais lembrar que há quase dois anos vivemos sob uma pandemia, cuja propagação está diretamente ligada à forma com que organizamos a sociedade, produzimos e distribuímos riquezas e poder e nos relacionamos com os demais seres vivos e o planeta.

Ou seja, a necessidade de mudança está posta e com regime de urgência. A razão é simples: somos seres sociais, interdependentes. Alterações à montante nos rios têm efeitos à jusante e vice-versa. Da mesma forma, a poluição e o crescimento das cidades afetam regimes de chuvas, deslocam e extinguem parte da biodiversidade - alteram, portanto, o ecossistema de maneira geral. Ao final, todos perdemos. Porém, uns mais que os outros.

No conjunto recente de desastres ambientais em Minas é evidente como certos grupos sociais são mais afetados que outros. Não fossem os atingidos de Mariana e Brumadinho formados em sua maioria por agricultores familiares, pescadores e trabalhadores das classes médias e baixas, o ritmo das indenizações seria outro, certamente muito mais célere. Não fosse o racismo ambiental, os povos e comunidades tradicionais e as populações indígenas das bacias atingidas seriam reconhecidos e respeitados em sua diversidade e singularidade.

A complexidade econômica, política, ambiental e cultural da mineração responsável e suas alternativas exige esforços coletivos, do Estado, com a sociedade civil e a iniciativa privada. A reconexão entre campo e cidade, assunto que pretendo desenvolver melhor na próxima coluna, pode ser o eixo orientador dessa transformação. 

Luiza Dulci é economista e doutora em sociologia. Integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo e constrói o Movimento Bem Viver MG

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa