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Tempo de respostas e de ação

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Pobres, jovens das periferias, indígenas, trabalhadores e trabalhadoras pagam a conta da crise brasileira - Wikimedia Commons
A profunda crise brasileira não será enfrentada com saídas tópicas, homeopáticas e de curto prazo

Por Miguel Enrique Stedile e Ronaldo Pagotto*

 

As notícias sobre o Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça) não surpreendem. A persistência da covid-19 suspendeu novamente o encontro, que foi substituído por espaços virtuais. Efetivamente, a única contribuição deste evento para combater a pandemia global e a crise ambiental foi evitar a aglomeração de milionários octogenários e de reduzir a emissão de carbono com o cancelamento das viagens em jatos particulares para a estação de esqui suíça. Para além disso, a chamada Agenda 2022 do Fórum é apenas um apanhado de frases vagas e um bom esforço publicitário, que em nada contribuem para enfrentar os problemas estruturais do planeta.

Somando-se ao recente fracasso da COP26, comprova-se que as crises ambientais, econômicas e social globais não podem ser superadas dentro dos marcos do capitalismo ultrafinanceirizado, uma vez que ele próprio é a origem destas instabilidades, tensões e colapsos civilizatórios. Sem enfrentar as causas estruturais, essas propostas são apenas exercício de retórica ou mera publicidade de intenções vazias e maquiagens.

Do lado oposto, o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social participou da elaboração de um documento, O plano para salvar o planeta, em conjunto com outros 25 institutos para apresentar saídas para superar o que se definiu como três “apartheids”: financeiro, sanitário e alimentar - e construir um mundo sustentável, capaz de suprir as necessidades da maior parte da humanidade e não apenas dos 1% mais ricos. O plano tem como um dos seus pilares a necessidade da cooperação global para realizá-lo, reivindicando o protagonismo do Sul Global para formular e executar estas saídas.

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Entre as diversas propostas em 12 áreas temáticas, o documento propõe a responsabilização dos países do Norte pela crise climática, com exigências de compensação ambiental; uma profunda reforma do sistema financeiro internacional, incluindo mecanismos de contenção e tributação para a ação destrutiva do capital especulativo e a renegociação de dívidas externas coloniais; estimular a agricultura camponesa e retirar amarras de acordos multilaterais que bloqueiam o desenvolvimento agrícola na periferia; desmercantilizar a educação, além de medidas de fortalecimento e acesso à saúde e cultura, por exemplo.

Para a América Latina, em especial, com as recentes vitórias eleitorais na Argentina, Peru, Bolívia, Honduras e Chile - e a expectativa com as eleições presidenciais no Brasil -, abre-se uma janela de oportunidades para interromper a ofensiva neoliberal no continente. Ainda que cada processo tenha suas especificidades e distintas correlações de forças, estes movimentos são evidentemente de rupturas com o estado anterior, ao mesmo tempo em que as contradições econômicas, ambientais e sociais exigem dos governos progressistas e dos movimentos populares respostas imediatas sob pena de prorrogarem a pobreza extrema, a destruição ambiental, a perda de territórios e a instabilidade social. O que exigirá ainda uma ação cooperada e articulada de integração regional para enfrentar uma contraofensiva econômica, institucional e/ou militar, como já observado nos anos anteriores nestes mesmos países.

Situação ainda mais delicada no Brasil, governado por uma coalizão neofascista de militares, fundamentalistas religiosos e do capital financeiro, intrinsecamente vinculada com a direção estadunidense deste movimento internacional. Historicamente, os debates eleitorais em pouco aprofundam as discussões estruturais necessárias e resumem-se em programas de governo temporais. Novamente, a gravidade da crise exige respostas e ações contundentes e corajosas para atacar as causas estruturais, sem fórmulas mágicas, nem idealizações ou ingenuidade.

O quadro brasileiro tem exigido respostas mais profundas e contundentes. Não é despropositado que há diversos esforços para refletir e construir uma leitura mais comum da crise brasileira e suas dimensões (ambiental, social, econômica, política e cultural), além de saídas efetivas capazes de apontar os enfrentamentos das causas destas crises. Fundações, institutos, movimentos populares constroem o Projeto Brasil Popular nesse caminho. O PDT, PSOL, PC do B, PT e outras forças tem debates internos nesse mesmo sentido.

Os efeitos das crises globais, da exaustão da sua fase ultrafinanceirizada, da reorganização do centro dinâmico do capital e das transformações geopolíticas exigem um projeto capaz de garantir a soberania brasileira nas áreas alimentar, tecnológica e dos bens da natureza, sob risco de inserir-se no sistema global apenas como um país consumidor de bens manufaturados e mero exportador neocolonial de commodities. Um projeto que recupere a economia a partir da distribuição de renda – com políticas de transferência, reforma tributária progressista e estímulo ao mercado interno – e de investimentos sociais - atendendo a demanda por saúde, educação, saneamento básico – e sustentável na preservação e convivência com nossos biomas.

A profunda crise brasileira não será enfrentada com saídas tópicas, homeopáticas e de curto prazo. Só construindo um esforço coletivo de termos uma compreensão comum dessa crise é que podemos reunir esforços para construir saídas coletivas, de curto, médio e longo prazos, responsáveis ambientalmente com o futuro, efetivas para combater as causas e urgente para abrir caminho para um Brasil com democracia política e social em todas as esferas. Mas tudo isso não passará de papeis acumulados e teses se não forem convertidos em instrumentos de convencimento da sociedade, especialmente dos milhões que pagam a conta da crise brasileira: os pobres, jovens das periferias, indígenas, trabalhadores e trabalhadoras; em síntese, os de baixo e que precisam mais do que nunca de uma saída real e efetiva.

Só com uma maioria exigindo que essas reflexões e proposições saiam do papel é que construiremos um caminho entre a crise brasileira profunda de hoje para um futuro de superação. A materialização destas propostas não depende da justeza e do valor das proposições, mas que sejam, no Brasil ou no mundo, protagonizadas por movimentos de massas, capazes de produzir força suficiente para implementá-las e defendê-las.

 

*Miguel Enrique Stedile é historiador e Ronaldo Pagotto é advogado. Ambos são integrantes do Conselho Político do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

**O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social é uma instituição internacional, orientada pelos movimentos populares e políticos da Ásia, Africa e América Latina, que tem como objetivo promover o pensamento crítico por meio de uma perspectiva emancipatória em prol das aspirações dos povos. Leia outras colunas.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo