Rio de Janeiro

Coluna

O problema tem nome: racismo

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Quase 400 anos de escravidão deixaram marcas tão profundas que ainda hoje são visíveis com facilidade no dia-a-dia
Quase 400 anos de escravidão deixaram marcas tão profundas que ainda hoje são visíveis com facilidade no dia-a-dia - Evaristo Sa / AFP
A violência racial que se impôs sobre Moïse foi a mesma que abateu tantos outros jovens negros

Que África / Está estampada / Nas pupilas da vó negra / Que dança congada? / Quantos zumbis / Vão surgir / Na poesia da periferia maltratada? / É Nzinga / Que dança / E ocupa o abraço / Da menina de tranças?

Que orixá olha por esse menino / Que ama jogar bola? / Um sopro ancestral / De tambores e vozes / Nos protege do mal / O moderno, o novo / Desaguam no rio tradicional

Não há povo / Sem história / Sem memória / Coletiva / E é na pele / Que essa memória / Continua viva.

(Futuro, Márcio Barbosa Gonçalves, em Cadernos Negros)

Quase 400 anos de escravidão deixaram marcas tão profundas que ainda hoje são visíveis com facilidade no dia-a-dia. O racismo, herança maldita deste período, cria tentáculos para cada mulher negra e homem negro, deixando para estas e estes o pior da sociedade. A histórica precarização da vida do povo negro está diretamente ligada ao racismo. 

O recente assassinato do jovem congolês Moïse Mugenyi, 24 anos, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, soma-se aos milhares de casos de violência sobre a população negra no Brasil e em nosso estado. A violência racial que se impôs sobre Moïse foi a mesma que abateu tantos outros jovens negros.

Pessoas diferentes, com trajetórias diferentes, mas marcadas pela mesma violência: racismo. 

O racismo está presente em todas as esferas da vida e se consolida a partir de uma base estrutural presente nas instituições brasileiras e manifesta práticas violentas de coerção e hierarquização. Esse é o drama diário que violenta milhares de vidas todos os dias com tanta crueldade no Rio de Janeiro. 

Sabemos que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo, mas este dado, por si só, sem aprofundamento, esconde que esta violência tem cor. Apenas com o recorte racial é que chegamos ao centro da questão e conseguimos compreender que 77% das vítimas de homicídios no Brasil são negras, de acordo com o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Assim, a chance de um negro ser assassinado é 2,6 vezes maior do que a de um branco. Calibrando um pouco mais o olhar e fazendo um recorte entre as mulheres, veremos que 66% das vítimas de homicídio em 2019 eram mulheres negras.

E não são só violências físicas, agressões ou mortes!

No país (des)governado por Bolsonaro e Paulo Guedes, em que a crise social, a alta no preço dos alimentos e a consequente miséria se alastram entre o povo, a alta no desemprego e no trabalho informal lançaram o Brasil de volta ao mapa da fome. Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, no Brasil, a fome chegou à marca de 19,1 milhões e a insegurança alimentar a 116,8 milhões de pessoas. Aqui cabe uma pergunta: qual a cor do desemprego e da fome? 

Importante ressaltar que toda essa situação não é vivida de cabeça baixa, de forma pacífica.

O movimento negro e os movimentos sociais então na linha de frente do combate ao racismo. Seja na luta contra o extermínio da juventude negra nos centros urbanos e periferias do Brasil, ou na luta por terra e alimento saudável, como há mais de 38 anos faz o MST. Estes movimentos se mobilizam para garantir melhoria na qualidade de vida, justiça social e racial e um projeto de vida, construído de baixo pra cima.  

A extinção do racismo é necessária para a construção de um país soberano e democrático, pois não há projeto de sociedade igualitária possível que feche os olhos para este problema.  Façamos nós por nossas mãos.

Edição: Mariana Pitasse