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Um olhar para a periferia: Santa Maria, 29 anos

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"Santa Maria merece ser festejada em seu aniversário e se tornar, junto com toda periferia do DF, a referência de transformação que buscamos em 2022 e sempre". - Foto: j.b.m.f
Investir nessa e em outras periferias é muito mais que trazer recursos ou melhorar serviços.

Nascida do Programa Habitacional para Famílias de Baixa Renda, que iniciou o loteamento da região e a transferência de famílias que viviam de aluguel no Gama e outras cidades em 1990, a Santa Maria tornou-se oficialmente uma Região Administrativa em 1993, completando, portanto, 29 anos no dia 10 de fevereiro.

O loteamento ocorreu em área semi-urbanizada e não contava com muitos recursos, de modo que os primeiros moradores da cidade enfrentaram grandes dificuldades e desafios, mas viram e participaram da construção de Santa Maria, assim nomeada em homenagem ao Ribeirão que ainda corre nas proximidades.

O povo daqui coleciona memórias de um tempo em que a poeira vermelha invadia as casas, cobria as roupas no varal e tornava o transporte público, que já era precário, ainda mais desagradável. Mas também coleciona memórias de um tempo em que o apoio mútuo das pessoas da comunidade foi fundamental para a superação de tudo em prol de um sonho comum maior: a casa própria.

Quem hoje é adulto, na época ainda criança, lembra de como vizinhos ajudavam a marcação dos lotes, a divisão dos espaços e o levantamento dos primeiros barracos. Enquanto brincavam no terrão, viam seus pais na luta diária da construção. Claro que conflitos também ocorriam.

A ausência de uma rede de água e esgoto dificultava a vida da população, que dependia, inicialmente, dos caminhões pipas e, mais tarde, do famoso chafariz. E na disputa pela água, desentendimentos ocorriam. São histórias que hoje são contadas entre risos, e que marcaram a vida dos santa marienses.

E como sonhavam esses meninos e meninas de como seria a cidade quando finalmente recebesse o asfalto: planos de jogar futebol na rua, descer ladeira em carrinho de rolimã. Acontece que quando foi asfaltada, já em 2002/2003, essa molecada já era adulta, e as brincadeiras planejadas ficaram para a geração seguinte.

Mas não pulemos tanto no tempo... Enquanto ainda sonhavam, as crianças e adolescentes de Santa Maria precisavam se deslocar até o Gama para acessar o direito à educação, já que por aqui contávamos apenas com uma escola, a famosa Escola de Lata. Toda ela era feita com folhas de metal. No calor, ficava muito quente. Na chuva, o barulho parava as aulas. E devido à má instalação elétrica, as paredes davam choque!

É preciso que se registre que o tal “Projeto Habitacional” não previu muito sobre a necessidade de infraestrutura e de serviços. Faltou da água ao asfalto, das escolas aos postos de saúde, dos serviços da assistência ao transporte, de lazer e de cultura. O Hospital Regional, por exemplo, além de recente, fora entregue à iniciativa privada. Até hoje temos áreas com cobertura precária de saúde e assistência social.

O planejamento urbano, ou sua ausência, torna alguns espaços altamente hostis e perigosos em determinados horários, como por exemplo, o desafio de descer em certas paradas durante a noite, algo rotineiro para quem vem do Plano Piloto depois das 21 horas.

Porém, muito embora a periferia esteja na rabeira das prioridades do governo para investimento público, tornando a vida por aqui mais desafiadora e o acesso aos direitos sociais e de cidadania prejudicado, ela conta com uma riqueza escassa nos ditos centros.

Nossa cultura, fundada justamente no senso de comunidade que tornou possível sobrevivências e transformações, cresce e se fortalece no fazer do povo de Santa Maria.

Nós temos uma juventude criativa, um grande potencial artístico e crítico, talentos diversos e possibilidades infinitas. Investir nessa e em outras periferias é muito mais que trazer recursos ou melhorar serviços.

Significa dar vazão à potência desse povo capaz de fazer ruir as estruturas excludentes e opressoras da nossa sociedade. É por isso que o “centro” é aqui. É por isso que a luta também deve partir daqui. É por isso que Santa Maria merece ser festejada em seu aniversário e se tornar, junto com toda periferia do DF, a referência de transformação que buscamos em 2022 e sempre.

A Família Hip Hop, filha legítima da Santa Maria, parabeniza a cidade por seus 29 anos oficiais, reafirmando nossa fé e compromisso na luta por seu protagonismo nos processos de emancipação das periferias.

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*Alex Martins Silva e Paula Juliana Foltran

**Este é um artigo de opinião. A visão da autoras e do autror não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino