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Mineiros e paulistas no modernismo brasileiro

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Semana de Arte Moderna fez oposição às comemorações oficiais do Centenário de Independência do Brasil - Foto: Jequitibá
Minas comemorou o centenário oficial, reforçando a elite no poder

Ao longo de cem anos, a Semana de Arte Moderna de São Paulo vem sendo supervalorizada, dando a impressão de que tenha sido uma revolução cultural do Brasil.

O ideal modernista ou as artes de vanguarda já eram conhecidos no Brasil antes de 1922. A importância da Semana de Arte Moderna reside no fato de ter feito oposição às comemorações oficiais do Centenário de Independência do Brasil.

A Semana de Arte Moderna teve o objetivo de reunir artistas e pensadores em torno da renovação estética das artes brasileiras, contra o formalismo e o tradicionalismo técnico que impediam acesso e fruição do público. Além disso, o que se pretendia era um ajustamento da renovação das artes, em curso na Europa. A Semana de Arte Moderna aumentou o fulgor do movimento modernista latente em São Paulo e nas grandes cidades brasileiras.

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Enquanto em Minas, se preparava para comemorar o centenário da independência de uma forma oficial, reforçando a cultura da elite no poder, como ficou implícito na obra “Coletânea de autores mineiros”.

Organizada por Mário de Lima, com apoio do governo mineiro, impresso na Imprensa Oficial, com 490 páginas ilustradas com foto dos autores, o primeiro volume versa sobre a literatura mineira desde o Arcadismo no século XVIII até o Romantismo no século XIX. O segundo volume é sobre historiadores e historiografia, desde os tempos coloniais até o final do século XIX. O terceiro volume trata da oratória de tribunos mineiros no parlamento e na magistratura. Mário de Lima valoriza os discursos como documento histórico e como objeto de contemplação estética.

Segundo Ruy Castro, os modernistas de São Paulo apoiavam a política do café com Leite. Oswald, Guilherme de Almeida, Cândido Mota e outros colaboradores de jornais eram filhos de ricas famílias cafeeiras. Ligados ao Partido Republicano Paulista (PRP) e ao Partido Republicano Mineiro (PRM) que conduziam a República, enquanto 70% da população era analfabeta.

Modernistas de São Paulo apoiavam a política do café com Leite

As leis garantiam sistema eleitoral que não dava resultado contrário aos coronéis. Os principais jornais eram controlados pelo PRP e PRM. Em São Paulo o “Correio Paulistano” e em Minas Gerais o “Diário de Minas”. Com a revolta armada de 1924 os modernistas, como narra Blaise Cendras, que havia acabado de chegar a São Paulo, refugiaram nas fazendas de parentes no interior. Oswald de Andrade e Tarcila do Amaral se casaram e o padrinho de casamento foi o presidente do Estado de São Paulo, Washington Luiz.

Modernismo mineiro

Tudo se resolvia dentro dos quadros do partido único (PRM), o Partido Republicano Mineiro, o frondoso Jequitibá (símbolo do partido), que abrigava em sua sombra as elites dominantes. Como em São Paulo, os modernistas mineiros tinham boas relações e trânsito com os governadores, como Afonso Pena, Raul Soares de Moura e Milton Campos, à sombra do frondoso jequitibá.

Fora do PRM não havia salvação. Mas como afirma Fernando Correia Dias, os modernistas não questionavam apenas a velha ordem literária, caracterizada pelo academicismo, por uma linguagem formalista e pela gravidade vazia. Questionavam também o comportamento da elite no poder, notadamente o autoritarismo e o conservantismo ideológico, instrumento de dominação das oligarquias.

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Belo Horizonte, na sua terceira década de existência, ainda carecia de uma população à base das atividades industriais. Constituía basicamente de servidores públicos, comerciantes, comerciários, serviços de transporte, saúde, educação, mecânicos, domésticos e autônomos.

Segundo Fernando Correa Dias, os modernistas mineiros eram de classe média, ligados aos serviços públicos como professores, Imprensa Oficial, gabinetes de secretários de estado, legislativo e judiciário.

O espírito modernista infiltrou na oligarquia dominante, mas reagiu a falsas premissas científicas conservadoras que queriam impor a inferioridade da raça negra à branca e atribuíam à miscigenação brasileira o atraso econômico e cultural do país e pelo alto índice de criminalidade. Ao contrário, o tabloide suplemento do “Diário de Minas” intitulado “Leite Criolo”, fundado por João Dornas Filho, teve o objetivo de valorizar a cultura brasileira pela contribuição dos afrodescendentes.

Para Drummond tradição significava transferência ou transmissão de conhecimento, sem a qual não haveria cultura. A transferência não pode ser estática imutável como queriam os conservadores, mas dinâmica. Transferir o saber do passado de forma recriada, prevalecendo o hoje sobre o ontem. Modernidade significa atualização constante.

Menezes comentando “Cadeira de Balanço” diz que Drummond ao explicar o título da obra faz um jogo conceitual de modernidade e tradição. “Cadeira de balanço é móvel da tradição brasileira que não fica mal em apartamento moderno. Favorece o repouso e estimula a contemplação serena da vida, sem abolir o prazer do movimento. Foi o que quis o autor: fazer obra moderna, sem renunciar ao tradicional; sentir e escrever como um homem de hoje, mas guardar fielmente aquilo que a sensibilidade de um foi acumulando pelos séculos”.

Mário de Andrade, também, tinha essa concepção das tradições como valores culturais. Neste sentido, viajou por todo o país em busca das manifestações folclóricas. Da mesma forma, o modernista Heitor Villa-Lobos, compôs músicas eruditas com base nas tradições afro-brasileiras.

Antônio de Paiva Moura é professor de História, aposentado da UEMG e UNI-BH. Mestre em História pela PUC-RS.

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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida