Minas Gerais

Coluna

O gasto público e a retomada do desenvolvimento nacional

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Quem ganha mais, paga menos imposto no Brasil - Foto: Reprodução
Valorização do salário mínimo respondeu por 72,4% da redução da desigualdade

Nesse momento em que vivemos uma estagnação econômica no Brasil, em razão dos resultados catastróficos do atual (des)governo, vale ressaltar o que esperamos para o último ano de mandato. Ou seja, nada a não ser passeio de motocicleta, aglomeração em face da pandemia na qual ainda vivemos, grosserias, estupidez, negacionismo e mais alguns adjetivos que queiram dar.

Em primeiro lugar, é bom ressaltar que programas sociais, como o Auxílio Emergencial e o Auxílio Brasil, (antigo Bolsa Família, piorado), são muito importantes neste momento no país, com tantos desempregados. Mas é preciso criticar a maneira que isso vem sendo feito.

A busca, nas últimas décadas, pela redução das desigualdades sociais por meio de políticas públicas inclusivas ocorreu mantendo instituições e políticas de concentração de renda e manutenção de privilégios.

Podemos citar como exemplo claro do processo de redução da desigualdade de renda as políticas de valorização do salário mínimo, com reajustes reais de valor além da correção monetária, e de transferência de renda (Previdência Social, que passou a incluir uma parte marginalizada da população, excluída até 1988; Benefício de Prestação Continuada – BPC - e Bolsa Família, principalmente). Essas mudanças no mercado de trabalho e na rede de proteção social causaram queda da desigualdade no início dos anos 2000, no governo do presidente Lula.

Segundo Morgan, usando dados das Contas Nacionais, do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), a redução das desigualdades de renda provenientes do trabalho e das transferências de renda resultou em aumento do percentual da renda apropriado pelos 50% mais pobres da população brasileira. Esses, capturaram 22% do aumento da renda no período 2001-2015.

Bolsa Família foi muito mal substituído pelo Auxílio Brasil

Ao mesmo tempo, a concentração dos recursos de capital resultou em aumento da participação dos 10% mais ricos, capturando 61% do aumento de renda no período.

Ao longo das últimas décadas, a política orçamentária do país, por meio de decisões tributárias – com a regressividade da tributação sobre as rendas das pessoas físicas – e alocativas de despesas, permitiu tanto a ampliação de gastos sociais, o que beneficiou a população menos favorecidas, como a concentração de renda daqueles no topo da pirâmide.

Governo Lula: continuidade e mudança

O início do governo Lula, em 2003, deu continuidade à política econômica do governo anterior, mas sinalizou uma mudança importante nas políticas de redistribuição de renda, com a criação do Bolsa Família e, no final de seu primeiro mandato, com a instituição de uma regra de aumento real do salário mínimo, em acordo com a variação real do PIB de dois anos anteriores.

Essa política de valorização do salário mínimo respondeu por 72,4% da redução da desigualdade do rendimento domiciliar per capita observado entre 1995 e 2013, por meio dos canais da previdência (37,7%), do mercado de trabalho (26,3%) e do BPC (8,4%).

Que possamos acreditar em um país melhor para nosso povo

Em 2006, Lula cria o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com recursos federais e execução em parte a cargo de estados e municípios. A participação dos entes subnacionais na programação do PAC requer contrapartidas, aprovação prévia de projetos, liberação de recursos em função da execução das obras, entre outras regras, o que mantém na União o poder decisório e o controle sobre a utilização descentralizada dos recursos.

Quem ganha mais, pague menos imposto de renda

Toda essa injustiça tributária, adotada pelos governos de FHC, para cobrança do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), especialmente com a isenção de pagamento de IRPF sobre os ganhos com lucros e dividendos, produziram alíquotas efetivas bem menores para os que recebem esse tipo de rendimento quando se comparados aos não recebedores de lucros e dividendos na mesma faixa de renda.

Em suma, quem ganha mais paga menos imposto se comparado às pessoas que recebem até 20 salários mínimos. De acordo com o ponto de vista social, a resultante redistributiva da política tributária foi o agravamento da desigualdade de renda e o aumento da cumulatividade do sistema tributário sobre a produção e o consumo.

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Essa injustiça tributária redundou em “uma situação paradoxal em que as alíquotas médias do IRPF passam a cair no topo da distribuição e quebram sua escada de progressividade”, segundo Gobetti e Orair, em artigo de 2016.

O resultado desta opção está na diminuição das alíquotas efetivas do IRPF para todas as faixas de renda acima de 20 salários mínimos entre os anos de 2007 e 2016. Enquanto a alíquota efetiva cresceu de 3,1% para 4,51% para rendas mensais até 20 salários mínimos, enquanto que rendas acima desta linha tiveram diminuição em todas as faixas, para se ter uma ideia, quem tem renda superior a 160 salários mínimos mensais teve uma redução de alíquota de 4,40% para 2,53%.

Vale lembrar, que essa trajetória se manteve nos governos do presidente Lula.  No seu governo, Lula chegou a enviar ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 41/2003) instituindo a progressividade de alguns impostos, mas não houve acordo no Congresso Nacional para essas alterações, é claro.

Previdência Social e desigualdade

Apesar de as despesas terem crescido no período de 1995 a 2016, a Previdência Social foi a que teve uma evolução muito superior às demais, passando de 4,98% do Produto Interno Bruto (PIB), em 1995 para 9,24%, em 2016.

Tal crescimento está associado a características do sistema previdenciário e da população brasileira. Com a Constituição Federal de 1988, foi atrelada a remuneração básica da previdência ao salário mínimo, tornando-se uma importante parcela dos benefícios, independente das contribuições previdenciárias, permitindo valorizar as aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais vinculados ao piso.

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Esses benefícios vieram atenuar a desigualdade ao beneficiarem as camadas mais pobres da população, especialmente as da área rural.

Já, no que se refere à saúde, o gasto federal caiu como proporção ao PIB, ao longo dos últimos vinte anos (de 1,79% em 1995 para 1,57% em 2016, segundo o IBGE). As despesas públicas com saúde, no entanto, aumentaram, passando de 3,1% do PIB em 2000 para 3,9% do PIB em 2015. Esse aumento da despesa pública em saúde se deve principalmente a participação dos estados e municípios, que passaram a aplicar 12% e 15%, respectivamente, de suas receitas de impostos e transferências em saúde a partir de 2001.

Educação e Assistência

A educação em nosso país, conta com a vinculação constitucional de impostos nas três esferas, União, Estados e Municípios. Sendo que a união é responsável pela aplicação de 18% de seus impostos e os estados e municípios pela aplicação de, no mínimo, 25% da receita de seus impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), isso até 2016.

A assistência social é a área de menor volume de recursos na seguridade social. A despesa pública em Assistência Social passou de um mínimo de 0,08% do PIB em 1995 para 1,24% do PIB em 2016, com a criação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), criado a partir de 2004, no governo Lula. O SUAS congregou todos os recursos destinados à assistência social como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Renda Mensal Vitalícia (RMV, em extinção); e o mais recente, o Programa Bolsa Família, estruturado no primeiro mandato do presidente Lula. O Bolsa Família teve uma despesa, em 2016, de aproximadamente R$ 27,9 bilhões, atendendo a 13,5 milhões de famílias. Atualmente muito mal substituído pelo Auxílio Brasil.

Orçamento 2022

Pois bem, ao sancionar o Orçamento de 2022, o (des)governo de Jair Bolsonaro, promoveu um corte de R$ 3,2 bilhões nas contas do ano, o que atingiu principalmente os Ministérios de Trabalho e Previdência, Educação, Desenvolvimento Regional e Cidadania. As áreas mais afetadas onde as verbas foram barradas são, meio ambiente, assistência social, saúde, direitos humanos, educação e obras públicas.

No entanto, após essa sanção, há previsão de R$ 1,7 bilhão para reajustes de servidores públicos, além de projetar R$ 4,9 bilhões para o fundo eleitoral.

A primeira e grande redução de recursos em relação ao Orçamento aprovado pelo Congresso foi feita no Ministério do Trabalho e Previdência, no valor de R$ 1 bilhão. Desse total, R$ 982 milhões dizem respeito a um corte no INSS, em verbas para administração do órgão e serviços de processamento de dados e reconhecimento de direitos e benefícios.

A segunda maior redução, infelizmente, foi feita no Ministério da Educação, no valor de R$ 740 milhões. Entre as áreas que sofreram maior impacto, está o Programa Educação Básica de Qualidade, com redução de aproximadamente R$ 400 milhões. Também foi impactado um repasse de R$ 34,4 milhões para apoio à consolidação, reestruturação e modernização das instituições federais de ensino superior.

Com relação ao funcionamento e gestão de instituições hospitalares federais, vinculadas ao Ministério da Educação, o corte foi de R$ 100 milhões. Entre os maiores cortes em Ministérios, estão o do Desenvolvimento Regional (R$ 459 milhões), Cidadania (R$ 284 milhões), Infraestrutura (R$ 177 milhões), Agricultura (R$ 87 milhões) e Saúde (R$ 74 milhões).

Mario Frias: R$ 78 milhões no ralo

No entanto, recentemente, o atual secretário especial da Cultura Mario Frias, acompanhado de seu secretário adjunto, Hélio Ferraz de Oliveira, gastaram juntos R$ 78 milhões (cada um gastou R$ 39 milhões), dinheiro público, em viagem de cinco dias aos Estados Unidos para se encontrarem com o lutador Renzo Gracie, mestre em jiu-jitsu, apoiador do Bolsonaro. Isso sim, é descontrole dos gastos públicos, não o investimento em educação, saúde, previdência e assistência social.

Retomada do desenvolvimento

Alguns pontos para a retomada do desenvolvimento no país são a promoção e o apoio à ciência, tecnologia e inovação, complementada por algumas políticas de incentivo e proteção setorial, sem, é claro, maiores preocupações com as doutrinas de livre mercado. Os países desenvolvidos há muito tempo, mantêm gastos públicos com projetos de pesquisa, em universidades e agências públicas, que geram inúmeras aplicações econômicas, além de projeção a setores, como o agropecuário, por exemplo.

Elevar os investimentos em infraestrutura, mas com mecanismos de controle da dívida pública, aumentar as operações de crédito dos bancos públicos e políticas que favoreçam reduções das taxas de juros cobradas das empresas e dos consumidores, no curto prazo, não é prejudicial ao Orçamento da União. Reduzir investimento em saúde, educação, previdência social, ciência e tecnologia etc., isso sim traz grandes prejuízos à nação.

Uma nação que não produz, não investe nas pessoas, é uma nação fadada ao fracasso, tanto econômico como social.

Bem, mas isso sabemos que com o atual (des)governo é impossível de realizar. Esperamos que ao final do ano e início do próximo ano, possamos acreditar em um país melhor para nosso povo.

Antônio Manoel Mendonça de Araújo é professor de Economia, conselheiro do Sindicato dos Economistas (SINDECON/MG) e ex-coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED-MG)

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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida