Comida de Terreiro

Agricultoras da Bahia resgatam cultura ancestral com a produção artesanal de dendê de pilão

A chef de cozinha e agricultora Solange Borges fala sobre o cultivo do dendê e do azeite nos pratos afro-brasileiros

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As famílias agricultoras da Agrovila Pinhão Manso, na Bahia, plantam alimentos agroecológicos e preservam a cultura afro-brasileira - Arquivo pessoal
A importância de plantar e cozinhar pra mim é resistir e perpetuar saberes por gerações

“A minha rotina da roça é acordar às 5 da manhã, trabalho o dia todo e saio de lá às 16h30. Para mim, produzir alimentos é de suma importância, porque sei o que eu e minha família está comendo”. 

Esse é o dia a dia da agricultora Lourdes Pereira dos Anjos que mora na Agrovila Pinhão Manso, na região metropolitana de Salvador. Ela vive na agrovila há 16 anos e planta aipim abacaxi, banana, maracujá, plantas medicinais, cana-de açúcar, entre outras culturas. Tudo no modelo agroecológico. 

Agrovila Pinhão Manso, na zona rural de Camaçari, na Bahia, e surgiu em 2007 com a ocupação de uma área de uma antiga fazenda. No local vivem cerca de 120 famílias que após tomar posse da terra começaram a cultivar alimentos saudáveis

“Aqui para a gente tem uma diferença de aipim para mandioca, eu não sei na sua região, mas aqui o aipim nós cozinhamos e a mandioca não cozinha a gente faz carimã, faz farinha”. 

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Essa é a sabedoria da terra da agricultora e a chefe de cozinha Solange Borges. É ela quem nos apresenta a agrovila e nos mostra a roça de aipim e de dendê, principais alimentos cultivados. O dendezeiro tem origem africana e o fruto, do dendê, é um pequeno coco de polpa avermelhada e semente dura, que se aglomera em grandes cachos.


A agricultora e chef de cozinha Solange Borges separando do dendê / Solange Borges

Ela explica que inicialmente seria cultivado o pinhão manso, mas por conta de um projeto da Petrobrás que foi descontinuado, eles passaram a ter outros cultivos. 

“Essa é a maniva do aipim. Aqui é aipim brotando. Lá nossos pés deliciosos de dendê que essa maravilha na África e Brasil e aqui ó, já tem uns pés maiores e a gente sabe quando ele tá bom, assim eu aprendi com a minha comunidade quando ele começa a dar esses frutinhos.”

Na Agrovila Pinhão Manso surgiu o grupo de agricultoras chamado ‘Mulheres Solares’ que produzem dendê de pilão. Elas também estão à frente da Casa de Farinha da agrovila, que é essencial para geração de renda e para a ampliação do processamento do produto in natura dentro da comunidade, assim mandioca pode ser transformada em farinha, beiju, tapioca, carimã, entre outros derivados. Um dos desafios, é a comercialização dos produtos, explica a chefe de cozinha.

“Nós plantamos aipim, urucum, plantas alimentícias não convencionais (PANCS) e frutas, como limão e laranja. Estamos nos organizando para montar uma cooperativa para beneficiar e escoar a produção do dendê e do aipim”.


As mulheres solares estão à frente da Casa de Farinha que aproveita a mandioca cultivada e produz derivados / Solange Borges

Lourdes a agricultora que ouvimos lá no início da reportagem tem razão de destacar que pra ela é importante conhecer o que tem no seu prato. O governo Bolsonaro bateu o recorde e liberou mais de 500 agrotóxicos no ano passado, o maior da série histórica. Lourdes  ressalta o quanto é importante conseguir produzir sem o uso de agrotóxicos nos alimentos. “É um produto sem química nenhuma, o adubo é o da terra mesmo é tudo natural e isso para mim é fundamental”.

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Culinária de Terreiro

Outro projeto dentro da agrovila é a Culinária de Terreiro, que surgiu em 2017. Quem comanda as receitas é Solange. Ela resgata a produção do azeite de dendê artesanal feito no pilão e no fogão a lenha. 

O azeite de dendê é extraído do fruto de maneira artesanal, no pilão, pelas mãos das mulheres e é muito presente em pratos típicos da Bahia, como o vatapá, o acarajé e o caruru. Borges conta como é o processo desde o cultivo até chegar à cozinha. 

"Você colhe o fruto, coloca ele para cozinhar, debulha o fruto, coloca no fogo, depois pila no pilão, lava e coloca para cozinhar de novo. Aí eles vão decantar e separamos o óleo e o azeite de dendê”, diz Borges.


Na agrovila vivem cerca de 120 famílias que produzem alimentos agroecológicos; à esquerda a chef de cozinha Solange Borges / Foto: Divulgação

Um dos objetivos do Culinária de Terreiro é quebrar preconceitos e promover a valorização da gastronomia afro-brasileira, juntando comida, cuidado com a terra e a religiosidade do candomblé.

 “Com esse projeto conseguimos conversar com a comunidade, o entorno e com outras pessoas que querem conhecer a comida tradicional, a comida afro- brasileira que está na mesa dos brasileiros: a feijoada, o caruru, o abará e com isso conversamos também sobre aspectos do candomblé”. 

Todos os domingos acontece a Feira Agroecológica na Agrovila Pilão Manso que são comercializados os alimentos produzidos pela agricultura familiar. “A importância de tudo isso pra mim é resistir e compartilhar e perpetuar saberes por gerações".

Edição: Douglas Matos