Minas Gerais

Coluna

R$405 milhões em jogo para o transporte coletivo de BH

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A proposta de que o dinheiro da tarifa não seja a única forma de financiar o sistema é um ótimo primeiro passo, mas tem que ser dado de maneira consequente - Foto: Divulgação PBH
É impraticável continuar com o atual modelo de contrato sem controle público sobre as operadoras

O transporte coletivo por ônibus em BH está em crise. Isso não é novidade, nem uma exclusividade da capital mineira. A crise, como não cansamos de repetir, advém, principalmente, da lógica de financiamento baseada na tarifa paga pelo passageiro.

Ano após ano, cai o número de passageiros, devido ao alto preço da tarifa, mudanças nas linhas e itinerários, e migração dos usuários para carros e motos. Como consequência, a receita total do sistema diminui. As empresas de ônibus, que por sua natureza visam ao lucro, reagem de duas formas: pressionando pelo aumento de tarifa e cortando os custos. Para elas, quanto mais gente em menos ônibus, melhor.

Diante de uma tarifa congelada, mas já escorchante, de R$4,50, coube aos empresários nos últimos anos avançar no corte de custos. Cobradores nos veículos são uma raridade, a idade máxima da frota já chega a absurdos 12 anos, linhas e principalmente horários que dão prejuízos, principalmente os noturnos, são sumariamente cortados. A pandemia não gerou a dinâmica da crise, apenas agravou algo que já vinha ocorrendo anteriormente.

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Diante desse cenário, vemos algumas movimentações. De um lado, os empresários pressionam por uma solução a seu contento e clamam por subsídio tarifário. De outro lado (e de forma não explícita), realizam ameaças veladas de paralisia do sistema. A mais recente delas foi feita pela empresa TransOeste, que paralisou de maneira ilegal e unilateral 28 linhas no Barreiro até receber recursos para operar novamente.

Outro movimento para solucionar a crise vem da sociedade civil organizada, da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) e da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Se aqui, como movimento social existente desde 2013, podemos dizer com tranquilidade que sempre lutamos pelo fim do atual contrato e por instrumentos que aumentem o poder público sobre os ônibus e permitam um subsídio justo, não se pode dizer o mesmo da PBH ou da câmara dos vereadores, pelo simples motivo de que esses órgãos não são coesos.

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E aí chegamos ao cerne do que queremos comunicar hoje. Depois de várias disputas, uma CPI e uma lei que cria a Superintendência de Mobilidade Urbana e extingue a BHTrans, a câmara de vereadores começa a atual legislatura com três projetos de lei que, juntos, tratam de um montante de recursos de R$405 milhões para financiar o transporte público por ônibus de Belo Horizonte.

É muito dinheiro, mais de um terço do custo total do sistema com as linhas e a frota de antes da pandemia – e com cobradores a bordo. Para se ter uma ideia, a título de comparação, é como se com esse recurso a tarifa pudesse baixar, imediatamente, de R$4,50 para R$3.

Mas, apesar disso, o que temos é falta de coordenação e bateção de cabeça, e corremos o risco de ver o transporte continuar seu definhamento, ou, de vermos esse dinheiro drenado pelos empresários sem nenhuma contrapartida.

Vamos projeto a projeto:

1. PL 197/2021 – Reestabelece a cobrança de Imposto Sobre Serviços (ISS) e da taxa de Custo de Gerenciamento Operacional (CGO) sobre as empresas de ônibus.

Montante anual potencial: em 2021, renderia R$28,3 milhões para os cofres públicos, mas pode chegar até R$40 milhões por ano.

Por que é importante: Hoje as empresas de ônibus não pagam impostos para a prefeitura. Isso significa que não há como fiscalizar sua receita de fato. Além disso, não há nenhum mecanismo que garanta que essa renúncia de tributos por parte da prefeitura signifique redução da tarifa ou um transporte de mais qualidade. Se esse dinheiro fosse controlado pela PBH e compusesse um fundo de subsídio que fosse pago às empresas mediante o serviço prestado, aí sim teríamos alguma contrapartida de fato.

Fase de tramitação: O PL foi aprovado pela CMBH em dois turnos e vetado integralmente pelo prefeito, alegando que sua aprovação acarretaria no aumento da passagem. O veto pode ser derrubado com 28 votos no plenário e o PL passaria a valer.

2. PL 229/2021 – Institui o Auxílio Transporte para pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Montante potencial: R$220 milhões em vale-transporte – valor único e não recorrente.

Por que é importante: O Auxílio Transporte foi uma maneira negociada pela prefeitura de receber de volta o adiantamento de R$220 milhões que fez às empresas de ônibus em razão da pandemia. A proposta é que famílias na lista do Bolsa Família, estudantes e mais algumas categorias recebam R$1 mil em vale-transporte, em dez parcelas de R$100, durante dez meses. Cerca de 200 mil famílias podem receber o benefício. A proposta é boa por conceder uma experiência de tarifa zero imediata para grande parte da população e por ser negociada na Justiça – a experiência histórica de BH com as empresas de ônibus nos mostrou que esse tipo de dívida acaba sendo perdoada no encerramento do contrato, como em 2007. Não se pode subestimar que essa é a possibilidade mais concreta e imediata de reaver, de alguma maneira, esse recurso (cujo adiantamento foi um erro da PBH).

Fase de tramitação: O PL foi rejeitado na Comissão de Legislação e Justiça sem justificativas concretas e só vai poder voltar a tramitar se o recurso apresentado em plenário for aprovado por maioria simples.

3. PL ainda sem número/2022 - Institui o subsídio público no sistema de ônibus.

Montante potencial: R$156 milhões por ano pagos pela prefeitura às empresas de ônibus.

Por que é importante: Essa é a principal iniciativa da prefeitura sobre o sistema de transporte coletivo. A decisão de que são necessários recursos do orçamento público para que o sistema funcione é importantíssima e correta. Porém, as coisas boas do PL param por aí. Não há, para além da redução da tarifa para R$4,30, nenhuma contrapartida das empresas sobre o auxílio. Não há exigência de melhoria da frota, retorno de linhas e quadro de horários que foram extintos ou dos agentes de bordo. Na prática, como as empresas têm o controle da arrecadação tarifária e do sistema de bilhetagem eletrônica, o subsídio no formato em que está proposto vai funcionar como a isenção de impostos em vigor desde 2014: dinheiro sem lastro para dar aval irrestrito para que as empresas sejam benevolentes e forneçam transporte para BH.

Fase de tramitação: O PL acabou de ser enviado para a Câmara de Vereadores e aguarda numeração para tramitar pelas comissões, iniciando pela de Legislação e Justiça.

O que propomos diante dessa bateção de cabeça? O Tarifa Zero BH luta para que o transporte seja justo, de qualidade e com controle popular. Para isso, é impraticável continuar com o atual modelo de contrato de remuneração por passageiros e sem nenhum instrumento de controle público sobre as operadoras. A proposta de que o dinheiro da tarifa não seja a única forma de financiar o sistema é um ótimo primeiro passo, mas tem que ser dado de maneira consequente.

É urgente que o subsídio (que pode ser maior, como já se debate na Câmara) seja vinculado ao pagamento por serviço prestado das empresas. Ou seja, a empresa só recebe seu pagamento se tiver realizado a viagem no tempo e no trajeto correto. Para isso, é necessário mudar o contrato para que a prefeitura possa ter o controle sobre os recursos da arrecadação tarifária, além do sistema de bilhetagem eletrônica, hoje completamente na mão dos empresários, operado pela Transfácil.

Prefeito e políticos costumam esquecer, e empresários agem como se fossem donos da cidade, mas é sempre bom lembrar que o transporte público é um direito social garantido na Constituição e uma prerrogativa do poder público, que pode ou não conceder sua operação para empresas privadas. Já passou da hora de retomar o interesse público. É preciso coragem e coerência. Para retomar o transporte, é necessário enfrentar as empresas de ônibus, inclusive encerrando contrato e/ou expropriando-as.

André Veloso é economista e integrante do movimento Tarifa Zero BH

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa