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38 anos do MST: resiliência e criatividade da luta pela reforma agrária

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Em 38 anos o MST se tornou uma referência não apenas por conta da luta pela terra, mas também por ter importantes acúmulos e contribuições no campo dos direitos humanos, da educação do campo, da agroecologia, da comunicação e da saúde. - Olívia Godoy
O MST é um relevante sujeito coletivo de produção de conhecimento no cenário brasileiro e latino

Os 38 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra são um convite para a reflexão sobre o período da redemocratização do país e os avanços e impasses da democracia brasileira.

Herdeiro das experiências de luta pela terra e educação popular anteriores ao golpe de 1964, como as Ligas Camponesas da palavra de ordem “Reforma agrária na lei ou na marra”, o MST se territorializou por 24 estados da federação e também no Distrito Federal – são 450 mil famílias assentadas e 90 mil acampadas, organizadas em 1,9 mil associações comunitárias, 160 cooperativas e 120 agroindústrias –  destacando o caráter nacional da pauta da reforma agrária e a necessidade da união nas lutas, campanhas, articulações com outros segmentos.

Uma das formas de atestarmos o vigor de uma democracia é o tempo de vida que organizações populares conseguem sobreviver em seus países.

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No Brasil, durante o século XX o ida e volta da legalidade para a ilegalidade a que muitos partidos e sindicatos foram submetidos por governos autoritários foi o responsável pelo tempo de vida curto de muitas formas organizativas criativas, agregadoras e capilares.

Para ficarmos com dois exemplos na esfera da cultura e da educação: o Movimento de Cultura Popular de Pernambuco, berço da pedagogia freiriana, e os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes não duraram sequer meia década, foram destruídos pelo golpe de 1964.

Muitas experiências de luta, quando existentes em apenas um ou poucos estados, foram facilmente combatidas e eliminadas. O MST sobreviveu a diversos governos conservadores embora tenha padecido com muitas baixas entre seus quadros militantes, por emboscadas de jagunços, chacinas operadas por forças policiais a mando de governos, como ocorreu em Eldorado dos Carajás (PA) no dia 17 de abril de 1996 e prisões arbitrárias, ataques de milícias rurais financiadas por coorporações transnacionais e manobras de criminalização operadas por setores do legislativo e judiciário dos três entes federativos.

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Entretanto, cresce o apoio de parcelas crescentes da população ao MST  e à reforma agrária na medida em que as diversas ações desenvolvidas pelo MST tornam evidente que a agricultura familiar chega à mesa das famílias brasileiras com cerca de 70% do que consumimos, apresentando a oferta de alimentos orgânicos e produzidos de forma agroecológica, confrontando o modo de produção em larga escala que depende do alta quantidade de uso de veneno, que expulsa a população do campo, agravando o êxodo rural e o inchaço das periferias urbanas.

Em 38 anos o MST se tornou uma referência não apenas por conta da luta pela terra, mas também por ter importantes acúmulos e contribuições no campo dos direitos humanos, da educação do campo, da agroecologia, da comunicação e da saúde.

O MST se constitui também como vigoroso movimento cultural brasileiro, por valorizar e fortalecer as manifestações da cultura popular em seus territórios e por se apropriar e democratizar o legado do conhecimento científico e estético por meio de suas escolas e centros de formação.

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Prova disso foi o volume de cursos que a Escola Nacional Florestan Fernandes ofertou virtualmente durante a pandemia, com a participação de pesquisadores renomados de diversas áreas.

O MST é atualmente um relevante sujeito coletivo de produção de conhecimento no cenário brasileiro e latino-americano, com parcerias com diversas universidades públicas. Exemplo dos resultados desse trabalho articulado são o Dicionário da Educação do Campo e o Dicionário da Agroecologia, organizados em parceria com instituições como a Fiocruz, e com a colaboração de pesquisadores de diversas universidades do país.

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Todavia, apesar do MST e demais movimentos camponeses terem conseguido sobreviver ao primeiro ciclo de governo neofascista, é bem possível que durante a campanha eleitoral a promessa de combate e eliminação do MST volte como pólvora no paiol, e um segundo mandato bolsonarista encontraria um cenário de maior fluxo irregular de armas no território, alimentando milícias, o para-militarismo, o narcotráfico, grileiros, o mercado ilegal da madeira e da mineração, fora o maior alinhamento com os setores militar e de segurança pública, beneficiados com aumentos de salário e outros privilégios.

As quase quatro décadas de existência do MST e o acúmulo organizativo e de conhecimentos que esse movimento produziu atestam que, ao contrário do que pregam parte da classe política nacional, da mídia, parte do judiciário do país, esta organização  não é parte dos problemas brasileiros, mas sim parte da solução dos mesmos.

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*Rafael Villas Bôas é professor da Universidade de Brasília.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino