Rio Grande do Sul

Coluna

Mas não se esqueçam da Rosa...

Imagem de perfil do Colunistaesd
Os EUA e a OTAN querem desgastar a Rússia a partir de um conflito armado provocado e falsamente atribuído aos russos - Charge: Latuff
Distraídos pela guerra, estamos sendo mais fácil e profundamente traídos

A guerra é de novo o nosso tema.

Impossível evitar o assunto porque sobre ele está o foco de todas as luzes.

Não se fala de outra coisa e assim todas as outras pautas sumiram, obscurecidas, ocultadas, transferidas sabe-se lá para quando.

Por quê? Porque para alguém isso é muito conveniente.

E nossa atenção está capturada, com grandes argumentos. Possível guerra nuclear? Em uma semana, um milhão de refugiados. Dependendo de quem conta já haveriam 498 ou 7 mil mortos, entre os soldados russos.

E conforme a fonte, temos uma Rússia mal guiada por um assassino em série, ou uma nação acuada, vítima de maquinações dos Estados Unidos e da OTAN.

E a Ucrânia? Ela aparece ora como um ninho de nazistas rancorosos, ora como um pais vítima de invasores cruéis, ou até mesmo como reduto de fantoches transformados em massa de manobra para os lucros de quem comanda o acontecimento maior: o negócio da guerra.

E nós com isso?

Bom, nós também estamos ameaçados. Principalmente por nós mesmos. Afinal, se há pouco nos revoltava perceber o que acontece no Brasil, desde o golpe de 2016, agora isso passou. Se antes tolerávamos a contragosto o fato de que um ministro podia recomendar, sem sanções, que se aproveitasse a distração de nossas mortes por covid para alterar legislações protetivas à saúde e ao ambiente, agora tudo piorou. Com a distração da guerra, esquecemos a fome, o desemprego, a dilapidação de patrimônios nacionais e os milhares de mortos por descaso do governo e para completar, estamos engolindo, a seco, a nova geração de absurdos bolsonaristas.

Irracionalidades desumanas como o garimpo artesanal, o risco aceitável para provocação de casos de câncer e até a presença na água e nas comidas de venenos que provocarão alterações reprodutivas e deformações genéticas na família brasileira. E isso sob comemoração da maioria dos representantes do povo, no Congresso Nacional.

Distraídos pela guerra, estamos sendo mais fácil e profundamente traídos.

E por isso, nas feiras, nos botecos, açougues, padarias e nas filas de todas as misérias, as pessoas opinam animadas sobre o que acontece na Ucrânia.

Comentam sobre a maldade dos russos, o heroísmo dos ucranianos, a ruptura bruta dos direitos humanos e, quem sabe até sobre a manipulação dos americanos e da OTAN, forçando a guerra.

Mas já não fala mais sobre o que se passa por aqui.

Perderam a si mesmos e a suas famílias de vista, empolgados que estão torcendo pela derrota vergonhosa, de alguém.

Querem mais guerra, destruição e sangue. Querem Rambo, Bradock. Jonh Waine, Conan e o Rim Tim Tim em ação, estripando inimigos.

Não entendem ou não se importam com o papel que lhes cabe, de engrenagem que alimenta o ódio, que movimenta a máquina que produz vítimas.

Em sua quase totalidade, se percebem como homens falando de coisa de homens. Mas não passam de adultos iludidos nalguma fantasia infantil, de redenção, de purgação de quem sabe quais sacrifícios a vida lhes impôs. Talvez sensações de vingança, por bullyings, frustrações ou de bloqueio à percepção de suas responsabilidades pelo caos que aqui avança. Responsabilidade pelo que chega às suas casas, na forma do preço do pão, da carne, da gasolina... e tantas outras tragédias que acompanham nosso presidente especializado em matar. 

Melhor não ver nada disso e tratar dos temas de guerra.

E deixar aflorar aqueles meninos treinados para o mal. Acostumados, desde a infância a “ver” a brutalidade como método silenciador, anulador de direitos. A se perceber poderosos, porque animados com a guerra distante.

E é este o ponto. A guerra faz emergir tendências incorporadas por homens que foram desviados em suas rotas, que internalizaram o uso da violência contra animais, crianças e, especialmente, contra suas mulheres.

E estas vivenciam, por conta disso, a negação de seu potencial e de capacidades que, se não fossem silenciadas, com certeza contribuiriam de forma decisiva contra todas as guerras.

A intolerância, o ódio dos nazistas da Ucrânia e de todos os locais, contra pobres, negros, gays, ciganos, indígenas, ou quem quer que seja, se repetem aqui, no machismo tosco que viceja em nossa sociedade, oprimindo as mulheres.

Desde crianças vivendo com medo, forçadas a limitarem seus sonhos, a crer que existiriam, de fato e por direito, dimensões que lhes são impossíveis de acessar, milhões delas aguardam, em casa, o retorno daqueles homens que debatem sobre a guerra do leste europeu, nos botecos da cidade.

A violência da guerra começa na infância.

Se sustenta na violência contra mulheres e se expande pela omissão dos que nada fazem para evitá-la.

Precisamos falar é sobre isso. Sobre o fato de que a Lei Maria da Penha (lei 11.340/2006) possui apenas 15 anos e (somente) desde 2012 afirma que qualquer pessoa pode e deve registrar violências percebidas, contra as mulheres.

E é sobre isso que devemos tratar nos botecos, nas filas, em todos os espaços de convivência. Esta é a principal guerra que nos interessa. E só a partir dela poderemos vencer os dramas da fome e da apatia, rompendo com os cordões que nos amarram e manipulam.

Pra não esquecermos jamais, Rosa de Hiroshima, com Secos & Molhados.

 

 

Confira a coluna em áudio.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko