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Mulheres levam indignação e esperança às ruas neste 8 de março

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Em 2018, sob o protagonismo das mulheres, milhares de pessoas foram às ruas de Brasília contra Bolsonaro - Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Pela vida das mulheres, Bolsonaro nunca mais! Por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem fome

A primeira grande manifestação de massa de 2022 será protagonizada por mulheres, no dia 8 de março – Dia Internacional de Luta por Direitos das Mulheres. Uma das principais vítimas da violência, da miséria, do desemprego, da injustiça, elas marcharão com o lema “Pela vida das mulheres, Bolsonaro nunca mais! Por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem fome”. As ações serão em todo o Brasil.

No Distrito Federal, a concentração para o ato será às 17h, no Museu da República. De lá, as mulheres seguirão em marcha pela Esplanada dos Ministérios, até a Alameda das Bandeiras.


Marcha tem concentração às 17 horas / Reprodução

A organização do ato orienta que as participantes sigam os protocolos de segurança sanitária, com utilização de máscara tampando boca e nariz, além de higienização das mãos com álcool 70% e distanciamento social. Para este ano, também é orientada a ida apenas de mulheres que estiverem com o esquema vacinal contra a Covid-19 completo. Para essas pessoas e aquelas que que apresentarem sintomas da doença, como tosse, dor de cabeça, coriza e febre, a marcha do 8 de março poderá ser acompanhada pelas redes sociais do 8M DF e entorno (Instagram | Facebook  | Youtube ).
 

A expectativa da organização do ato, realizado por movimentos sociais e sindical, organizações feministas e partidos políticos, é de que a cobertura vacinal registrada no DF colabore para a grande adesão à manifestação. Segundo a Secretaria de Saúde do DF, quase 80% da população apta a ser vacinada já tomou as duas doses ou a dose única do imunizante contra a Covid-19.

“Mais uma vez, iremos às ruas unidas em um ato que segue tendo como principal bandeira a vida das mulheres. Em meio a uma crise econômica sem precedentes, nós mulheres temos sim medo da miséria, mas continuamos tendo ainda mais medo da morte diante da violência generalizada que é cometida contra nós. Por isso, saímos às ruas trazendo o grito de Bolsonaro e Ibaneis nunca mais, além de reivindicações históricas pelo direito à educação, saúde, moradia, segurança alimentar”, afirma a secretária de Mulheres Trabalhadoras da CUT-DF, Thaísa Magalhães.

A feminista acredita que, assim como as manifestações pelo Ele Não, em 2018, quando milhares de mulheres lotaram as ruas do Brasil e do DF contra Bolsonaro, as manifestações do 8 de março deste ano mostrarão “o tamanho da indignação das mulheres”.

“Os casos de feminicídio e de violência contra as mulheres crescem exponencialmente. As mulheres que não estão desempregadas, estão fazendo bico; muitas não têm carteira assinada. Há décadas não víamos tantas mulheres desesperadas por não terem o que dar de comer para seus filhos. Ao mesmo tempo, tanto na esfera federal como na distrital, há total falta de interesse com a promoção de políticas públicas para as mulheres. É muita indignação que nós mulheres levaremos para as ruas neste 8 de março”, reflete Thaísa Magalhães.

A menos de oito meses das eleições gerais, a dirigente sindical afirma que “as mulheres também irão às ruas com esperança”. “Este é o ano que podemos mudar o curso da história. Temos a chance de tirar Bolsonaro da presidência da República e Ibaneis do governo do DF. Temos a chance de eleger quem tem história na luta pela defesa dos direitos das mulheres. Temos que ser ainda mais fortes que em 2018 para termos chance de iniciar uma mudança profunda que caminhe na direção da garantia de uma vida melhor para as mulheres do Brasil e do DF”, diz.

Na mira da morte

A segunda edição do Barômetro de Alerta sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, realizada pela Coalizão Solidariedade Brasil, que reúne 18 organizações internacionais, mostra que o governo de Bolsonaro é marcado pelo aumento de mortes de mulheres – entre outras agressões aos direitos humanos. O estudo foi publicado em 2021, e analisou dados de 2019 e 2020.


Documento reúne denúncias em 11 diferentes temas como: violência policial, mulheres, meio ambiente, povos indígenas, entre outros / Rosemary Joubrel / Autres Brésilis

De acordo com o Barômetro, em 2019, três em cada dez mulheres sofreram algum tipo de violência. Nesse ano, foram registrados no país 1.326 feminicídios, e as principais vítimas são as mulheres negras (66.6%). Em 2019, foi cometido um estupro a cada oito minutos.

Em 2020, segundo o estudo, o cenário foi ainda pior: só no primeiro semestre de 2020, foram registrados 648 feminicídios, um aumento de 1,9% em comparação com o mesmo período de 2019.

“Legitimada pelos discursos e representações sexistas divulgados pelo governo, a violência contra as mulheres está aumentando”, afirma trecho do Barômetro de Alerta sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.

O DF acompanhou a escalada de matança das mulheres. Nos primeiros 10 meses de 2021, o DF registrou mais feminicídios que em todo o ano de 2020: foram 20 vítimas.

O Relatório da CPI do Feminicídio realizada pela Câmara Legislativa do DF, publicado no ano passado, analisou durante 11 meses 90 processos sobre feminicídio, a maioria deles processados em 2019 e 2020. Desses 90 processos, 37 foram de feminicídios consumados e 53 se remeteram à tentativa do crime. Segundo o relatório, muitas mortes de mulheres poderiam ter sido evitadas se houvesse a atuação do Estado para este segmento.

A investigação constatou que quase 80% das vítimas eram pretas ou pardas, e mais da metade das vítimas tinha entre 30 e 49 anos. Dos casos de feminicídio, em apenas um a vítima e o agressor não se conheciam. Em 76,6% dos casos, a vítima tinha relação de esposa/companheira ou ex-esposa/ex-companheira com o agressor.


A CPI apontou falhas na rede de proteção às mulheres no DF, principalmente por ausência de integração entre os órgãos / Figueiredo/CLDF

Contribuição com o crime

Os números referentes aos gastos públicos para barrar a violência contra as mulheres escancaram que não há intenção do governo federal em mudar o cenário crítico.

De 2015, pouco tempo antes do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, a 2020, já no governo Bolsonaro, a redução do gasto do Estado com políticas para as mulheres caiu de R$ 139,4 milhões para R$ 36,5 milhões. A queda coincidiu com o início da pandemia da Covid-19, e colocou as mulheres em ainda mais vulnerabilidade.

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou que, “após cinco anos de subfinanciamento das políticas para as mulheres”, o governo dispôs de R$425 milhões para o ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de Damares Alves. “Porém, até meados de maio de 2020, o ministério executou somente R$11,3 milhões, o equivalente a 2,6% do que está disponível”, afirma o Inesc.

O Instituto ainda denuncia que, “o Plano Plurianual (PPA) 2020-2023 excluiu o ‘Programa 2016: Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência’, que era destinado somente às mulheres, e criou o ‘Programa 5034: Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para Todos’, que é um guarda-chuva para execução de políticas do ministério destinadas às mulheres, aos idosos e a pessoas com deficiência”. Com a fusão dos programas, as políticas específicas para mulheres tendem a ficar ainda mais prejudicadas e sem transparência.

Ataque à Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha tem 15 anos, e é o principal instrumento legal de coibição à violência contra as mulheres. Entretanto, nos últimos anos, a lei vem sendo descaracterizada.

Na gestão da atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que defende que homens e mulheres não podem ser iguais, a lei vem sofrendo com a ausência de recursos para sua execução. Com isso, perde o caráter educativo e sofre recrudescimento penal.

“Sem recursos, não é possível dar às mulheres vítimas de violência atendimento integral. Elas ficam desamparadas. O que é totalmente contrário à Lei Maria da Penha. É muito mais eficaz, numa mudança de estrutura, cultura, economia, política de uma sociedade, investir na prevenção de contravenções e crimes. Neste caso, é necessária uma política séria de divulgação da lei e de combate ao patriarcalismo e machismo, ao invés da adoção de uma política punitivista após a realização do crime”, avalia a secretária de Mulheres da CUT-DF, Thaísa Magalhães.


Lei Maria da Penha é o principal instrumento legal de coibição à violência contra as mulheres / Elineudo Meira

Direitos em xeque

Seja no trabalho ou na vida pessoal, os direitos das mulheres vêm sendo destruídos.

O Barômetro de Alerta sobre a situação dos direitos humanos no Brasil mostra que as consequências econômicas da pandemia da Covid-19, geradas prioritariamente pela ausência de um Estado forte, impactou nas condições de trabalho das mulheres. As trabalhadoras domésticas, por exemplo – a maioria delas mulheres negras –, sofreram com a perda de emprego e renda, e foram submetidas ao trabalho sem condições sanitárias adequadas. Esse cenário também foi o de outros grupos de mulheres trabalhadoras, como as vendedoras ambulantes, as pescadoras e as camponesas. 

Além de ter os direitos trabalhistas básicos atacados, as mulheres também tiveram mais trabalho dentro de casa. “Esta distribuição desigual das tarefas domésticas se agravou durante a crise (...). Cinquenta por cento das mulheres brasileiras tiveram que cuidar de alguém próximo a elas durante a pandemia”, diz trecho do Barômetro.

O ataque às mulheres também está para os direitos individuais, como o direito reprodutivo.

Tramita no Senado Federal, o projeto de lei que estabelece o “Estatuto da Gestante” (PL 5435/2020), do senador Eduardo Girão (Podemos). O projeto suspende as possibilidades de interrupção da gravidez estabelecidas em lei. Pelo PL, o direito à vida se dá “desde a concepção”, o que tornaria crime o direito ao aborto legal, que é permitido em caso de estupro, quando há risco de vida para a mãe ou quando constatada anencefalia do feto.

O PL ainda obriga a mulher vítima de estupro a informar o estado da criança ao estuprador, que é considerado, pelo texto, genitor. O projeto ainda propõe o pagamento de benefício para a mulher vítima de estupro, que foi chamado de “bolsa estupro”.

A relatora do PL, senadora Simone Tebet (MDB-MS), avalia que é possível retirar os pontos mais polêmicos do texto e dar prosseguimento ao projeto. “Esse é um projeto que nós, mulheres feministas, queremos ver, de uma vez por todas, arquivado. Não há o que aproveitar. Isso é retroceder aos tempos medievais”, diz a secretária de Mulheres da CUT-DF.

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* Vanessa Galassi é jornalista

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino