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Inflação e má distribuição de renda: vilões do poder de compra da classe trabalhadora

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Quanto menor a renda do trabalhador, mais ela é gasta em itens de necessidade básica de sobrevivência, como moradia e alimentação - Foto: ROBERTO PARIZOTTI
O Brasil ainda é um dos países que apresenta uma das piores distribuições de renda do mundo

De acordo com o Banco Central do Brasil, a inflação é caracterizada pelo aumento generalizado dos preços de bens e serviços. Ela implica na diminuição do poder de compra da moeda. A inflação é medida pelos índices de preços, que são calculados por instituições como o IBGE. O Brasil apresenta vários índices de preços que servem para acompanhar diferentes produtos. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é o mais utilizado no sistema de metas para a inflação, que é coordenado pelo Banco Central. Aliás, essa é a principal função do Banco, manter a estabilidade da nossa moeda, em outras palavras, manter controlado o nível de inflação.

Em 1963, Ignácio Rangel (1914-1994) escreveu um livro clássico nos meios econômicos chamado “A Inflação Brasileira”. Dentre as principais conclusões do economista sobre as origens da inflação no Brasil foi destacada a insuficiência da demanda da população brasileira, que ocorria devido a uma péssima distribuição de renda que era observada no país, uma vez que a riqueza era altamente concentrada nas mãos de poucos indivíduos.

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Esse problema nunca foi resolvido pelo Brasil até os dias atuais. As pessoas que trabalham e recebem salário são as que mais sentem os efeitos dos aumentos dos preços. Um aumento dos preços dos produtos alimentícios, por exemplo, faz com que diminua significativamente o salário real da classe trabalhadora. Suponhamos que os preços dos alimentos aumentem 10% num determinado período e que um trabalhador gasta 50% do seu salário com alimentos, então esse trabalhador teria uma perda de 5% de sua renda real. Isso faz com que ocorra uma queda de demanda dos trabalhadores, o que contribui para a concentração de renda.

Essa é a realidade dos trabalhadores que conseguem sobreviver milagrosamente com um salário mínimo. De acordo com a Fundação Ipead da UFMG, uma cesta básica no município de Belo Horizonte, em fevereiro de 2022, custava R$ 645,36. Esse valor equivale a 53,25% do salário mínimo que é de R$ 1.212,00 atualmente. O IPCA dos últimos 12 meses foi de 10,38%, já a cesta básica subiu 13,06% no mesmo período. O salário mínimo foi reajustado em 10,2%, o que está abaixo dos valores que foram observados pelo índice de preços e cesta básica. É dessa forma que sorrateiramente a inflação diminui o poder de compra das pessoas assalariadas.

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Para se ter uma ideia de quanto o salário mínimo é insuficiente para a sobrevivência de uma família, o Dieese estima que uma remuneração necessária para garantir os direitos constitucionais dos trabalhadores em 2022 deveria ser de R$ 5.997,14, ou seja, aproximadamente cinco vezes maior que o salário atual.

Quanto menor a renda do trabalhador, mais ela é gasta em itens de necessidade básica de sobrevivência, como moradia e alimentação. Para resolver o problema inflacionário brasileiro, segundo Rangel, seria necessário, dentre outros fatores, alterar o mecanismo de distribuição de renda, aumentar o poder de barganha das classes trabalhadoras e promover a reforma agrária, que seria fundamental para amenizar a desigualdade de renda no país.

O livro ainda se encontra atual apesar de quase 60 anos após ser publicada a primeira edição. O Brasil ainda é um dos países que apresenta uma das piores distribuições de renda do mundo. Nos últimos anos, vem diminuindo os direitos da classe trabalhadora e nunca enfrentou adequadamente a questão da reforma agrária desde os tempos das capitanias hereditárias.

Desigualdade social 

Para medir o nível de distribuição de renda de um país ou região, foi criado pelo matemático italiano Conrado Gini, o “índice de Gini”, adotado como referência mundialmente. Esse índice apresenta a diferença dos rendimentos entre os mais pobres e ricos. O índice varia de 0 a 1, em que quanto mais próximo de 0, melhor é o nível de distribuição de renda e quanto mais próximo de 1, pior é o nível de concentração. No sentido extremo, se o resultado do índice observado de uma região for 1, somente um indivíduo conseguiria controlar toda a renda do local. De acordo com dados do Banco Mundial, o Brasil apresenta o nono pior índice de Gini do mundo, estimado em 0,53 para o ano de 2019. 

No Brasil, no ano de 2021, de acordo o Relatório da Desigualdade Mundial, publicado pela equipe do World Inequality Lab, os 10% mais ricos da população conseguem concentrar 58,6% da renda total produzida no país. Os 50% mais pobres conseguem ter acesso a apenas 10,1% da renda total. Os 10% mais ricos ganham em média 30 vezes mais que os 50% mais pobres.

Tal distribuição de renda tão desigual é agravada pela inflação atual do Brasil, que persiste em carregar muitos dos problemas apontados por Rangel há quase 60 anos. O país recentemente acompanhou perplexo o aumento dos preços dos combustíveis devido a uma política de preços que considera custos internacionais para uma produção com custos nacionais desde 2016. Isso faz com que os preços sofram fortemente com a variação cambial e repassa para os consumidores, que por sua vez dependem de transporte rodoviário para levar os produtos e distribuir aos consumidores finais. O repasse dos aumentos dos preços dos combustíveis em produtos, como alimentos, também contribui para a queda de poder aquisitivo da classe trabalhadora.

Quanto menor o salário do trabalhador, mais ele sofre com a variação dos preços, pois necessitam consumir produtos básicos para a sobrevivência. Despesas como alimentos, aluguéis, remédios e vestuário costumam consumir toda a renda, ou a maior parte da renda dos trabalhadores. Muitos não conseguem pagar as despesas para satisfazerem suas necessidades básicas e de seus familiares. Assim, as pessoas precisam recorrer a empréstimos, cartão de crédito ou cheque especial para garantir minimamente a dignidade de consumo para sobreviverem.

Com essa lógica perversa, não causa surpresa a Confederação Nacional do Comércio informar que o nível de endividamento das famílias brasileiras bateu recorde no ano de 2021, chegando a apresentar 76,3% das famílias brasileiras endividadas. Em Belo Horizonte, foi observado um percentual acima do Brasil, pois 81,1% das famílias se encontravam com algum tipo de dívida no primeiro trimestre do ano passado, ou seja, a cada 10 famílias, oito contraíram dívidas do sistema financeiro na capital mineira.

Resolver os problemas de distribuição de renda, melhorar os níveis salariais da classe trabalhadora, promover políticas públicas para melhorar o acesso à terra e bens de necessidade básica é fundamental para garantir uma vida mais digna para as pessoas que habitam o Brasil. A desconcentração de renda é fundamental para superar os séculos caracterizados por uma sociedade que foi fundada a partir da escravidão e que ainda carrega os estigmas desse sistema que deixa marcas até os dias atuais.
 

Davyson Demmer Guimarães Barbosa é economista formado pela Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), mestrando em Educação Tecnológica pelo Cefet-MG e diretor de imprensa do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal


 

Edição: Larissa Costa