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É preciso um pacto federativo para financiar o transporte coletivo

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Basta qualquer aumento nos custos do transporte para os empresários de ônibus ameaçarem parar de rodar. Dessa vez foi o aumento do diesel - Foto: Portal PBH
Nunca tivemos uma política nacional de transporte coletivo

Nunca tivemos uma política nacional de transporte coletivo. Esboços desse tipo de proposta foram feitos em momentos pontuais, como em 1975, quando foram criadas orientações para um Sistema Nacional dos Transportes Urbanos, com um Fundo Nacional voltado para isso e uma proposta de sistematização do cálculo da tarifa que resultou na “planilha GEIPOT”, a mais conhecida forma de cálculo tarifário que existe no país. O ensaio de articulação durou até 1982, quando a iniciativa federal foi desarticulada em meio ao desmonte generalizado promovido pelo governo de João Figueiredo.

Por meio da pressão dos municípios para conseguir mais autonomia política após os anos de autoritarismo da ditadura, o transporte coletivo urbano passou a ser responsabilidade municipal a partir de 1988. Mas, sem políticas de orientação para balizar os sistemas municipais, boa parte deles ficou refém das articulações entre os empresários de ônibus. Os donos dessas empresas se organizaram para maximizar os seus lucros.

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Para isso, eles tomaram medidas que não facilitam e, por vezes, atrapalham a vida do usuário, como a sobreposição de linhas e o impedimento da integração do sistema entre municípios limítrofes. Basta olhar para a Região Metropolitana de Belo Horizonte para entender o que ocorre: apesar de contar com os mesmos empresários, o sistema segue sem integração há quase 30 anos. A situação é ainda pior nas cidades pequenas, que não têm capacidade fiscal e nem formação de equipe técnica para gerenciar o transporte coletivo.

O que já era ruim ficou ainda pior com o agravamento da crise do transporte coletivo, a partir da década de 2010. A crise de demanda, acompanhada do encarecimento do serviço, levou a revoltas por parte dos usuários. As movimentações de maior destaque aconteceram em 2013, quando milhões de pessoas saíram às ruas motivadas, inicialmente, pelo aumento do valor da tarifa de ônibus. Havia uma janela de oportunidade sem precedentes para se articular uma política federal para o transporte coletivo, mas ela foi desperdiçada. As mudanças naquela época foram tímidas e a crise do transporte coletivo seguiu.

Agravamento da crise

A pandemia e a recente aceleração da inflação escancararam os problemas. O atual aumento do preço dos combustíveis mostra como a população está à mercê das vontades dos empresários, que têm retirado veículos de circulação, unilateralmente, em vários municípios brasileiros. Situações como essa mostram, entre outras coisas, a necessidade de criar um pacto federativo para que haja recursos do governo federal e dos governos estaduais exclusivamente direcionados para os transportes coletivos municipais.

Essa proposta não pode ser levada a cabo de maneira opaca ou de forma a privilegiar os empresários sem nenhuma contrapartida para a população que usa o transporte coletivo todos os dias. Fazer isso seria como passar um cheque em branco para aqueles que, historicamente, se preocuparam apenas em aumentar os seus lucros.

O pacto federativo ao qual nos referimos precisa estar vinculado à lógica da Lei 12.587/2012, a legislação mais atual no que tange ao transporte coletivo a nível federal. A lei estabelece as diretrizes de uma Política Nacional de Mobilidade Urbana, mas não cria nenhum mecanismo para implementar o que propõe – como a prioridade para o transporte coletivo ou a modicidade tarifária.

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Com um acordo de repasse financeiro entre as esferas nacional, estadual e municipal, seria possível garantir a implementação de políticas para subsidiar a tarifa do transporte coletivo, implementar de faixas exclusivas e ações que deem prioridade aos ônibus, garantir transparência de custos e controle público da arrecadação tarifária e do sistema de bilhetagem eletrônica, mitigando o desproporcional poderio econômico das empresas operadoras. Criamos uma proposta de Política Nacional de Mobilidade Urbana junto a parceiros que lutam pela mobilidade.

Apenas quando esses parâmetros forem cumpridos será possível acreditar que o repasse de recursos vai gerar uma melhoria concreta do transporte público – ao invés de privilegiar alguns poucos empresários do setor e alimentar, lenta, mas inexoravelmente, o colapso do transporte coletivo no Brasil.

André Veloso é economista e integrante do movimento Tarifa Zero BH.

Juliana Afonso é jornalista e integrante do movimento Tarifa Zero BH.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa