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Ato pela Terra: ponto emblemático de convergência das lutas

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Podemos compreender o “Ato pela terra” como uma demonstração de força e resiliência da Campanha Contra os Agrotóxicos - Foto: Mídia Ninja
Questões ambiental e de saúde pública são causas capazes de unir o campo e a cidade

Não foi pequeno o Ato pela Terra contra o “pacote da destruição” ocorrido na Esplanada, em frente ao Congresso Nacional, no dia 09 de março de 2022. Pelas imagens, pelos organizadores, pela imprensa, estimativas variaram entre 15 a 50 mil pessoas.

A quantidade de trabalhadores da cultura presente, artistas de diversas linguagens e ofícios, tratados pela mídia como “celebridades” foi enorme e o maior contingente de participantes foi de jovens do Distrito Federal, presença notavelmente diferente se comparada aos manifestantes dos atos contra as reformas neoliberais. 

De diversas gerações, de diferentes regiões do país, cantoras e cantores, compositoras e compositores, aportaram para a capital, para protestar, pressionar, tentar impedir a votação do pacote da destruição, um pacote de medidas altamente danosas para a natureza e para povos indígenas, camponeses, quilombolas, e também para os habitantes das cidades brasileiras. Movimentos sociais populares do campo, organizações não governamentais, partidos de esquerda e sindicatos, demarcaram presença no ato. 

O fato do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ter colocado para votação a urgência do Projeto de Lei da autorização da mineração em terras indígenas e a votação ter sido vencida pelos conservadores, pela bancada do boi, sempre junta com a bancada da bala e da bíblia, fez com que muita gente diminuísse de imediato o valor do ato, como se fosse algo menor, apenas um show, um evento de artistas para juntar público em prol da causa ambiental e indígena.

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Mas sem conseguir se contrapor à guerra de posição permanente que os defensores do modo de produção do agronegócio e da mineração impõem dentro do governo, tendo o presidente da república como grande porta voz dos interesses desta frente de ataque, um político que consegue se aproveitar sem pudor da guerra na Ucrânia para tentar passar a boiada da mineração em terras indígenas, mesmo quando há provas incontestes que a maior parte das reservas de potássio estão fora das reservas indígenas.

De acordo com a professora e geóloga da UnB Suzy Huff: o fato novo é que a guerra de lá destravou e reforçou aqui um ataque frontal às populações indígenas que vivem em territórios dispersos em todo País, mas que prioritariamente habitam a região amazônica. Esses territórios representam mais de 90% do total de todas as terras indígenas brasileiras. Para se ter uma ideia do que isto representa, a Ucrânia possui uma extensão territorial que equivale a pouco mais que 50% das terras indígenas amazônicas. A conexão entre as duas situações não é direta. Mas foi a guerra na Europa oriental que escancarou uma das grandes fragilidades do Brasil e que se refere a sua enorme dependência na importação de insumos – em especial o potássio – para viabilizar o seu potente agronegócio. Essa suscetibilidade abriu caminho para que gestores que deformam o interesse público investissem na derrubada das restrições legais que impedem a expropriação e o avanço nos territórios indígenas. O objetivo prioritário dessa verdadeira guerra contra os territórios e seu povo – que, importa explicitar, não seria bem vindo e nem contaria com a farta solidariedade para imigrar para terras do norte global –, são seus fartos bens naturais (minérios, florestas, águas e terras). A busca pela posse e usufruto dessa última fronteira significa mais do que um projeto perverso de um governo, já que revela um silêncio conveniente e conivente dos países que se valem de turbulências em democracias mais frágeis para ampliar suas reservas econômicas, apropriando-se dos recursos tão generosamente disponíveis nessas áreas.

Visto em perspectiva histórica, podemos compreender o “Ato pela terra” como uma demonstração de força e resiliência da Campanha Contra os Agrotóxicos e pela Vida, coordenada pelo MST e por outros movimentos sociais integrantes da Via Campesina, que produziram nos últimos anos muitas cartilhas, organizaram seminários com apoio de grupos de pesquisa nas universidades, e agregaram artistas e intelectuais à causa, como o cineasta Sílvio Tendler, que produziu os dois filmes da série “O veneno está na mesa”, altamente instrutivos sobre o impacto do agronegócio para a natureza e para a saúde da população brasileira.

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Por sua vez, o movimento indígena demonstra força crescente aumentando a capacidade de mobilização de centenas de etnias por todo o país, articuladas à diversos segmentos de trabalhadores apoiadores da causa. Na capital do país, um já tradicional protesto político e evento cultural no mês de abril é o Acampamento Terra Livre, momento intenso de encontro para lutas, debates, trocas. 

As convergências de articulação e os resultados que podem advir para uma plataforma de lutas dos povos indígenas, camponeses, quilombolas, etc é significativa.

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No âmbito da guerra de posições, se a batalha parece perdida na Câmara dos Deputados, pode não significar o mesmo no Senado Federal, considerando a necessidade de votos dos políticos em ano eleitoral, e no Supremo Tribunal Federal, espaço suscetível há demonstrações de pressão da sociedade civil nos últimos anos, desmoralizado por não ter impedido e ter sido conivente com as manobras do impeachment da presidenta Dilma Roussef, a prisão do ex-presidente Lula, e agora empenhando em reverter os erros, do passado, punindo os agentes da operação Lava Jato, tentando conter a ofensiva bolsonarista nas redes sociais, e procurando reconquistar a imagem de prestígio que outrora tiveram. 

Quando casadas, as questões ambiental e de saúde pública são causas capazes de unir o campo e a cidade, contra o desproporcional poder econômico e político da minoria de corporações e grandes propriedades que se beneficiam desse modelo de exportação de commodities agrícolas e minerais.

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*Rafael Villas Bôas é professor da Universidade de Brasília.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino