Pernambuco

Coluna

Feminismo popular nas lutas pelo direito à moradia

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70% de quem se organiza coletivamente em moradias do tipo ocupações urbanas são mulheres e mais de 80% destas se autodeclaram pardas ou negras - MTD PE
Queremos que as mulheres negras nos representem em todas as dimensões das relações sociais

A luta por moradia vem sendo protagonizada pelas mulheres negras das camadas populares. Mais de 70% das militantes que ocupam terrenos por extrema necessidade, ocasionada pelo alto custo de vida e ausência de políticas de habitação, trabalho e renda no atual governo neoliberal e neofascista são mulheres. Grande parte destas lutadoras mantém sozinhas suas famílias e sustentam financeira e emocionalmente seus filhos. Se, atualmente, 63% das casas chefiadas por mães solo vivem abaixo da linha da pobreza, é possível afirmar que um índice ainda maior se apresenta para as mulheres que estão a frente das lutas pelo direito à moradia.

O enfrentamento à ausência de políticas referentes à habitação, assim como a todo o aparato social que circunda a possibilidade de existência digna, tais como saneamento básico, educação, emprego, assistência social, lazer, transporte, realizado pelas mulheres negras das periferias evidencia a potência feminista, antirracista e popular engendradas no protagonismo destas nos movimentos por direito à moradia. Organizadas em movimentos mistos, protagonizam os processos de investigação do local, ocupação do espaço, construção dos barracos, enfrentamento à violência policial, coordenação das ocupações, negociação junto aos órgãos públicos. Lideram as cozinhas comunitárias, a economia e finanças comuns, assim como cada vez mais têm sido as figuras públicas dos movimentos, nos atos de rua e nas entrevistas sobre as reivindicações dos movimentos.

Poderia ser um processo representativo óbvio, já que de acordo com dados da Fundação João Pinheiro, em 2019 mais de 60% do déficit habitacional afetava diretamente mulheres chefiando famílias monoparentais com filhos. Segundo o IBGE (2018), dentre as 11 milhões de mães solo no Brasil, 61% delas são mulheres negras e 63% das casas chefiadas por mulheres negras que tem filhos até 14 anos, encontram-se abaixo da linha da pobreza.

Dados compilados pelas organizações populares indicam que mais de 70% de quem atualmente se organiza coletivamente em ocupações urbanas são mulheres e mais de 80% destas se autodeclaram pardas ou negras. No entanto, vem sendo uma construção política das mulheres negras de organizações populares e partidos políticos que têm “botado os dois pés na porta” e assumido a linha de frente de uma população a qual elas representam a maioria.

Esta prática coletiva de enfrentamento às estruturas do patriarcado, racismo e capitalismo devem se espraiar para outras esferas de atuação política, tendo em vista a sub-representação das mulheres negras das periferias nos espaços institucionais. Queremos que as mulheres negras nos representem em todas as dimensões das relações sociais assim como em todas as esferas da política institucional, no executivo, legislativo, judiciário. Nas profissões consideradas com maior status na sociedade, na cultura, nas artes, nas diversas ciências, esportes, liderando projetos coletivos que impulsionem transformações estruturais.

Nos últimos dias, os movimentos de moradia em todo o Brasil pressionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a prorrogar a ação que concede a suspensão de remoção, desocupação, despejo ou reintegração de posse nos contextos urbano e rural, enquanto estivermos vivendo sob as condições da pandemia do coronavírus. Foi de extrema importância tal mobilização destes setores tendo em vista que diante dela o Ministro Barroso prorrogou por mais três meses a ADPF 828, apresentada pelo Psol em parceria com a Campanha Despejo Zero. Assim, no mês de junho, mais uma vez se colocará a ameaça de que mais de 132 mil famílias possam ser removidas do lugar em que hoje vivem com suas famílias.

Este problema social deve ser enfrentado por toda a sociedade. Deve ser encampado por todos aqueles que acreditam na justiça social como caminho de transformação. O Estado precisa se responsabilizar em apresentar soluções para o déficit habitacional que cada vez mais assola a classe trabalhadora, assim como priorizar orçamento público que sejam capazes de efetivar a reforma agrária e urbana inconclusas em nosso caso brasileiro. Políticas construídas e conduzidas a partir das necessidades das mulheres negras das camadas populares e suas famílias, de tal forma estarão garantidas melhores condições de vida para o povo brasileiro em seu conjunto.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga