Coluna

O menino comilão

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Enquanto conversavam, o João ficava propondo que parassem num posto pra comer uns salgados - Pixabay
Largou a profissão, voltou para Minas Gerais e começou a estudar fitoterapia

Meu amigo Marcos era repórter fotográfico, quando o conheci, trabalhando no Guia Rural Abril.

Fotografando plantas medicinais para uma matéria, ele ouvia a conversa de um especialista no assunto com o repórter, gostou da história, largou a profissão, voltou para Minas Gerais e começou a estudar fitoterapia, quer dizer, a cura pelas plantas.

Conversou muito com curandeiros, fez pós-graduação na Faculdade de Agronomia de Lavras e começou a frequentar São Gonçalo do Rio das Pedras, um belo e distante povoado, entre Diamantina e Serro.

Lá conheceu a Cris, professora de artes plásticas em Belo Horizonte, que também estava procurando um meio de deixar a cidade grande e viver uma vida diferente.

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Casaram-se, e quando estive com eles tinham dois filhos: Antônio de 12 anos, um menino esperto e inteligente, e João, de uns cinco anos, inteligente também, divertido e comilão, do tipo que só falava em comida.

Viviam muito bem, quase sem dinheiro. O Marcos dava consultas gratuitas à população. Quando alguém queria pagar, ele cobrava alguma coisa que o sujeito produzia. Mas muito pouco. Um quilo de arroz ou feijão, uma abóbora... Só que não podia ser nada comprado.

Era a troca de trabalhos.

Quando alguém trazia um quilo de arroz em saquinho de supermercado, ele não aceitava. E o sujeito ainda levava os remédios de graça.

Essa economia de troca, sem rolar dinheiro, é interessante, mas e a luz, água, roupas e outras coisas que requerem dinheiro?

Ah, a Cris ganhava um pouco como professora primária.

Com esse modo de vida, não podiam fazer coisas que exigissem grandes gastos.

Uma vez, enfim, foram passar uns dias no litoral sul da Bahia. Na volta ficaram se lembrando de quanto tempo fazia que não iam à praia. Enquanto conversavam, o João ficava propondo que parassem num posto pra comer uns salgados.

Mais um causoFilho bem criado

O Antônio lembrava de algumas coisas da última vez que tinha visto o mar, sete anos antes, quando ele tinha apenas cinco anos de idade. Contou algumas histórias e o João entrou na conversa com algumas “memórias”. Sempre falando de comida.

A Cris disse pra ele:

— Não, João. Nesta época você ainda não estava aqui.

Você ainda morava lá no céu.

Ele ficou quieto alguns segundos e sapecou:

— É, mãe... “Nós” estávamos lá no céu.

Mas depois fomos descendo, descendo, e paramos numa lanchonete pra comer umas coxinhas...

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos