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Coluna

O subsídio ao transporte coletivo precisa de controle público

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Não é possível dar aval indiscriminado e voto de confiança para empresários que tantas vezes oprimem a população com ônibus ruins, demorados, lotados e que não cumprem os quadros de horários - Foto: Divulgação PBH
É preciso que o poder público só pague as empresas depois de verificar que o serviço foi prestado

A coluna desta semana já estava no prelo quando fomos surpreendidos por uma notícia pavorosa: um possível aumento da tarifa para R$ 5,85. O reajuste ainda é incerto, em termos jurídicos, mas o que é certo é o alinhamento do prefeito às empresas de ônibus, ao decidir não recorrer de uma decisão de primeira instância, com multa baixíssima.

Com isso, mal conseguimos celebrar a vitória alcançada um dia antes, que foi tema desta coluna, sobre a rejeição, pelo plenário da Câmara de Vereadores, do veto ao Projeto de Lei 197/2021, que acaba com a isenção tributária das empresas de ônibus de BH.

Na prática, isso significa que as empresas devem voltar a pagar à prefeitura uma taxa de 2% a 5% de sua receita bruta na forma de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e 2% como uma taxa de Custo de Gerenciamento Operacional, que era cobrada pela BHTrans para conseguir gerenciar o transporte. A volta dos impostos, que começa a valer em janeiro de 2023, é uma vitória popular na disputa pelo controle do transporte.

A isenção de ISSQN sempre foi uma demanda histórica das empresas de ônibus, claro, alegando que esse custo tributário impactava em sua operação e, por consequência, na tarifa de ônibus que o passageiro paga. Em 2013, no calor da pressão das manifestações que pediam a redução da passagem e a melhoria do transporte, o então prefeito Márcio Lacerda fez uma esperta manobra. Ele juntou a fome da população com a vontade de comer dos empresários e reduziu em R$ 0,15 a passagem (de R$ 2,80 para R$ 2,65) a partir da Lei 10.638/2013 que isentava as empresas de ônibus desse imposto.

No ano seguinte, com a Lei 10.728/2014, Lacerda acabou com a taxa de Custo Gerenciamento Operacional, renunciando a uma receita de mais de R$ 40 milhões em valores atuais, corrigidos pela inflação. Essa última movimentação se deu sem nenhuma redução da tarifa. Pelo contrário, em maio daquele ano houve um aumento extraordinário para R$2,85 e, até o fim de 2015, a tarifa se encontrava no surreal patamar de R$3,70.

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Em 28 meses, os empresários – com o apoio ativo da prefeitura – deram um passinho para trás para poder dar um salto à frente e reduziram a tarifa em R$ 0,15 em um primeiro momento para, assim, abrirem mão de pagar 4% da sua receita em impostos, ao mesmo tempo que elevaram a tarifa em 40% nos meses seguintes. Uma senhora rasteira no lombo da população belo-horizontina.

Esse episódio recente da história do transporte coletivo de BH demonstra que o urgente e necessário subsídio ao funcionamento dos ônibus da cidade não vale de nada, se não for feito com controle público real.

Então, como a manobra empresarial pôde ocorrer de maneira tão deslavada?

Pela mesma razão que sempre apontamos nesta coluna. O contrato de concessão de ônibus firmado em 2008 abdicou do controle da BHTtrans sobre a gestão, a remuneração e a operação do transporte coletivo.

A principal mudança do contrato de 2008 foi o fim das planilhas de custos como referência para a remuneração das empresas e, consequentemente, da câmara de compensação tarifária como forma de pagamento às empresas. O que esses termos técnicos significam? Na prática, eles determinavam que, antes do atual contrato, a BHTrans podia fazer o acompanhamento por uma planilha de referência de custos do sistema, em que todos os elementos que incidiam nesses custos eram acompanhados regularmente, tais como lubrificantes, pneus, óleo diesel, preço dos veículos, salários de motoristas, cobradores e outros funcionários e, sim, impostos.

A cada dez dias, a prefeitura conferia quantos quilômetros as empresas tinham rodado, incluía os valores na planilha e determinava o pagamento a cada empresa a partir da arrecadação tarifária total. Toda empresa receberia, dessa maneira, o mesmo valor por quilômetro rodado – independentemente se a linha operada era longa ou curta, cheia ou vazia, difícil ou fácil.

Atenção. A empresa recebia por serviço prestado, se realizava a viagem, recebia por ela. Se dava janelada, não recebia pela viagem não-realizada. Nesse cenário, uma mudança de custos como aumento/isenção de impostos teria um impacto imediato e duradouro na tarifa, pois estaria presente em todo cálculo de pagamento.

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No cenário pós-2008, esse cálculo foi abolido. A tarifa passa a ser determinada por uma “equação paramétrica” que basicamente faz uma média ponderada da inflação de cinco insumos (óleo diesel, pneus, salários, veículos e despesas administrativas) e é aplicada sucessivamente sobre a tarifa-base de 2008. Com isso, as empresas passaram a receber pela tarifa paga.

O que é fundamental nessa história?

A tarifa se desvinculou do custo (e, portanto, dos impostos), permitindo que as empresas possam demitir cobradores, cortar viagens e precarizar a frota, isso tudo com o reajuste garantido no dia 29 de dezembro. Nesse contexto, a remuneração se dá por passageiro pagante. Quanto mais passageiros em menos veículos, melhor para as empresas.

Por não ter mais o controle da remuneração, a Prefeitura de BH não tem como obrigar as empresas a voltar com os parâmetros de qualidade que, do ponto de vista destas, são “cortes de custos”. A alternativa é aplicar multas que nunca são pagas, após anos de recursos administrativos e judiciais.

Em um cenário em que a administração pública não tem como controlar as variáveis de operação do transporte coletivo e que há um incentivo econômico nítido para o corte de custos e para a não-realização de viagens que dão prejuízo (na prática, todas as viagens fora do horário de pico ou para bairros longínquos), qualquer subsídio ao transporte – mesmo que na forma de isenção de impostos –, acaba sendo uma contribuição para essa draga opaca de recursos que são as empresas de ônibus.

Para que o subsídio seja consequente e tenha como efeito a melhoria da qualidade do transporte, sem o aumento da tarifa, é preciso que o poder público só pague depois de verificar que o serviço foi prestado e que as contrapartidas das empresas foram realizadas. Não é possível dar aval indiscriminado e voto de confiança para empresários que tantas vezes oprimem a população com ônibus ruins, demorados, lotados e que não cumprem os quadros de horários.

A prefeitura, agora sob o comando de Fuad Noman, apresentou novamente a intenção de subsidiar diretamente o transporte coletivo em até R$ 163,5 milhões por ano. Mas sua proposta mantém a lógica de remuneração por passageiro pagante que nos trouxe até o atual colapso.

O recado que a Câmara de Vereadores deu na última segunda (4) foi: revoga-se o subsídio indireto da isenção tributária enquanto os termos do contrato – e, portanto, da concessão e remuneração do serviço – não forem debatidos. Na longa e desigual disputa pelo controle do transporte coletivo, os vereadores recuperaram uma carta na mão para as conversas deste ano.

É preciso pressão popular para que essa negociação avance pelo interesse da população. E também para que a tarifa dos ônibus da cidade não aumente. Continuaremos acompanhando e relatando os capítulos dessa novela aqui nesta coluna.

André Veloso é economista e integrante do movimento Tarifa Zero BH.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa