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Nem as placas resolvem

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Sempre passava um carro ou um caminhão de noite, até de madrugada, e batiam na porta para perguntar o caminho - Creative Commons
Nada não, compadre Salustiano. Só queria saber o que é que tá escrito naquelas placas ali...

Quando o Salustiano comprou uma vendinha numa encruzilhada, disse para a mulher, Abadia:

— Tô feito! Tudo quanto é viajante para ali pra perguntar o caminho e aproveita pra tomar uma cerveja.

Realmente, deu certo. A estrada de terra bifurcava bem na porta da venda e quem passava a primeira vez por ali, tinha mesmo de perguntar, porque não dava para saber qual ia para onde ele queria.

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Mas, tudo tem seu lado ruim, e o Salustiano logo viu qual era o dessa localização: o pessoal parava pra perguntar na hora que ele queria, que estava pronto pra vender umas cervejinhas, e na hora que ele não queria, também.

Era difícil conseguir uma noite inteira de sono. Sempre passava um carro ou um caminhão de noite, até de madrugada, e batiam na porta para perguntar o caminho.

No começo, o Salustiano não se incomodava muito com isso. Mas depois de dois meses, ele e a Abadia já não aguentavam mais. Quando ouviam uma buzina ou batidas na porta de madrugada, tinham vontade de sair xingando, ou então de mudar de vez dali.

Mais um causoFilho bem criado

Uma madrugada, foram acordados às duas horas e, quando iam conseguindo dormir de novo, tiveram que atender mais um caminhoneiro pedindo informações.

A Abadia esbravejou:

— Amanhã, se você não puser, eu ponho uma placa nessa porcaria dessa encruzilhada.

Logo cedo, Salustiano pegou duas tábuas, cortou em forma de setas e escreveu "Cafundó" numa delas e "Patrimônio" na outra.

Fincou um pau no chão, bem na encruzilhada, mas deixou para pregar as tábuas nele no final da tarde, para aproveitar um dia a mais com a parada de motoristas que queriam informações e gastavam um pouco na venda.

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Acabou pregando as tábuas só de noite, logo antes de dormir. Aí foi tranquilo para a cama, falando alegre com a mulher:

— Ninguém mais incomoda a gente agora, Abadia.

Meia-noite, seu sono profundo foi interrompido por pancadas na porta. Foi ver e era um compadre, que tinha ido pra cidade a cavalo e estava de volta, parecendo ter bebido um pouco. Perguntou:

— Quê que houve, compadre Durvalino? Precisa de alguma coisa?

E o outro respondeu:

— Nada não, compadre Salustiano. Só queria saber o que é que tá escrito naquelas placas ali...

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir