Minas Gerais

Coluna

Orgulho de ser quem se é

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"A notícia (convite), para receber a mais alta honraria do estado de Minas Gerais me traz a esse lugar de nostalgia, de reviver os caminhos que percorri até chegar aqui" - Foto: Reprodução
Recebo a medalha como uma mulher negra de periferia que, como outras, supera desafios todos os dias

Tenho muito orgulho dos lugares que ocupo hoje, ser uma professora da educação infantil, advogada popular, deputada estadual – uma das poucas mulheres negras da história da Assembleia Legislativa de Minas Gerais – e presidenta da Comissão de Direitos Humanos. É nesse lugar, que hoje posso contribuir efetivamente para as causas que acredito e dar voz aos que, assim como eu, um dia se sentiram invisíveis para o Estado. 

A notícia (convite), para receber a mais alta honraria do estado de Minas Gerais me traz a esse lugar de nostalgia, de reviver os caminhos que percorri até chegar aqui. Desde menina pobre, empregada doméstica, primeira da família a ter um diploma, até o reconhecimento pelo trabalho de defesa dos direitos humanos. 

A Medalha da Inconfidência carrega consigo um legado importante da história de Minas e do Brasil: a luta por liberdade e justiça, valores pelos quais eu também luto todos os dias. E passados mais de 200 anos desde a revolta que dá nome à medalha, é inegável a influência que Tiradentes e seus companheiros tiveram para a criação do sentimento republicano, que mais tarde nos livraria das amarras coloniais. 

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É reconhecendo tudo isso que eu também sei o peso que é uma mulher negra e periférica ser condecorada com um título que decorre de um período em que pessoas como eu nem sequer eram vistas com humanidade. 

É preciso, e é importante, lembrar que a Inconfidência não foi um movimento que pregava a abolição da escravatura. Na verdade, alguns dos homens que integravam o movimento eram “donos” de escravos. Faço isso, não para renegar a honraria que me é dada, pelo contrário, invoco o passado para demarcar a importância do presente e para continuar a construir um futuro.

E mesmo nesses 70 anos, desde que a Medalha foi criada no governo de Juscelino Kubitschek, tenho certeza que centenas de homens negros e, principalmente, mulheres negras, que se destacaram “pela notoriedade de seu saber, cultura e relevantes serviços à coletividade” não receberam justas homenagens. Mas a cada ano, mais mulheres negras entram para essa seleta lista que já foi dominada por homens brancos.

Agradeço o reconhecimento do meu trabalho, da minha luta e da minha trajetória de vida, mas, mais do que uma honraria individual, recebo essa medalha como uma mulher negra de periferia que, como tantas outras, supera cotidianamente desafios. Penso na minha mãe, irmãs, amigas, vizinhas que me inspiraram e inspiram para seguir avançando na defesa da vida, dos direitos humanos e do bem viver ancorado no coletivo. E dedico a elas essa conquista.

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Receber o título de honra me leva a pensar também nos meus ancestrais, nos muitos heróis e heroínas negras que foram apagadas da história sem que isso, de forma alguma, diminuísse suas contribuições para que eu e outras pessoas negras possamos ser livres hoje. 

Então agradeço também aos líderes da Revolta dos Malês, em especial Luiza Mahin, pela luta incansável pela liberdade. E agradeço a todos, e principalmente a todas que vieram antes de mim e me guiaram pela luta que tem valores de justiça, liberdade, união e república, assim como queriam os inconfidentes. Que agora isso se estenda a todas e todos e essencialmente aos que mais precisam.  

 

Andréia de Jesus é deputada estadual de Minas Gerais pelo PSOL.

 

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal





 

Edição: Larissa Costa