Ditavam as cartas, ela escrevia e se encarregava de colocar no correio, o que às vezes não fazia
Quase todos os dias chega correspondência pra mim. Cobranças de banco, plano de saúde, telefone, condomínio... Só chatices. Quando encontro o entregador de correspondências do condomínio chegando ao meu prédio, pergunto brincando: “E aí? Alguma carta de amor para mim?”. Ele sorri e me entrega uma cobrança qualquer.
Tenho saudade das cartas e dos cartões postais, que ninguém mais manda! Antes, quando viajava de férias, ao chegar de volta tinha cartas me esperando. Era gostoso ler.
Leia também: Canseira inútil
Ao ver a atriz Fernanda Montenegro tomando posse na Academia Brasileira de Letras, eu me lembrei do filme “Central do Brasil”, em que ela faz o papel de escritora de cartas para pessoas que não sabem ler nem escrever. Ditavam as cartas, ela escrevia e se encarregava de colocar no correio, o que às vezes não fazia. Mutreteira, embolsava o dinheiro do selo.
Para quem é jovem, parece coisa que não existia, né? Pois existia sim. Hoje, quase todo mundo tem telefone celular e, mesmo sem saber ler e escrever, pode falar com a família distante sem outras despesas que não sejam a compra do próprio celular e uns créditos nele. Matam a saudade quase que diariamente.
Não era assim. Em São Paulo, lá pelos anos 1970, tinha um sujeito autointitulado Doutor Caneta, que fazia isso na Praça da Sé, em São Paulo. Colocava uma mesa e duas cadeiras no meio da praça e ganhava a vida escrevendo cartas.
E eu conheci uma moça, filha de um fazendeiro do Sul de Minas, que estudava na capital mineira e foi passar as férias de fim de ano na fazenda dos pais. Era uma fazenda grande, com muitos empregados, a maioria vinda de longe, e muitos deles não sabiam escrever.
Mais um causo: Filho bem criado
Bom... a moça estava à toa na fazenda e ficou pensando que muitos dos empregados deviam estar com vontade de mandar uma carta para a família, dando e pedindo notícias. Num final de tarde fizeram uma fila diante dela. Ditavam a carta e ela escrevia pacientemente. Ia se encarregar até de colocar as cartas no correio. Assim foi indo, com muita gente emocionada por mandar notícias pra família.
Mas uma hora ela ficou muito braba. É que um deles, o Edmilson, ditou uma longa carta aos pais e, para terminar, ditou para ela escrever: “Adiscurpe a letra ruim e os erro”.
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Douglas Matos
