Rio Grande do Sul

ENSINO E DEMOCRACIA

Artigo | Memórias da criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

IFs são uma obra coletiva construída democraticamente que visa formação humana integral e tecnológica

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Campus do IFRS na Restinga, periferia de Porto Alegre - Divulgação

Em 2004, Tarso Genro assume o Ministério da Educação em substituição a Cristóvão Buarque. Eu, que fora seu Secretário de Educação em Porto Alegre, sou convidado para assumir a presidência do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Foi um período curto, entre 2004 e 2005, mas muito fértil em novas políticas, graças à brilhante equipe que formamos naquele respeitado órgão. Desta, destacamos Dilvo Ristoff, Jaime Giollo, Amir Limana, Jaqueline Moll, Carlos Moreno, Alexandre Vidor, Moisés Sobrinho, Marcelo Mingueli, Patrícia Barcellos entre outros.

É deste período a criação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES), que substituiu o famigerado Provão, da Prova Brasil, da ampliação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), do Cadastro do Pessoal Docente, do novo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que passa a ser utilizado como exame de acesso à universidade.

No final de 2005, Tarso Genro é substituído por Fernando Haddad, que mantém, basicamente, a mesma equipe montada por Tarso. Entretanto, propõe o meu deslocamento para a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), então a menor secretaria do Ministério da Educação (MEC) e que acabara de perder a Diretoria do Ensino Médio para a Secretaria de Educação Básica, justo num momento em que passava a ser incentivado o Ensino Médio Integrado.

Nos deparávamos neste momento com cerca de 200 mil postos de trabalho vagos devido à inexistência de trabalhadores com a qualificação necessária para ocupá-los. Ao mesmo tempo, sob a presidência de Lula, o país iniciava um processo de crescimento que buscava ser inclusivo e soberano, carecendo de novas tecnologias. Isto se apresentava como um desafio pois as forças de esquerda e progressistas sempre tiveram uma certa resistência à formação profissional, pois o Brasil sempre fora voltada à formação de mão-de-obra para o capital e, certamente, não é papel do Estado fazer isto.

Ao Estado, através da Educação Pública, cabe formar cidadãos e cidadãs fornecendo-lhes os conhecimentos necessários para o desenvolvimento de suas potencialidades através de uma formação humana integral. Esta era a compreensão dos dirigentes do MEC.

Nossas limitações na área foram compensadas através de duas iniciativas: a primeira, formando uma equipe preparada política e profissionalmente com trajetórias pela Rede Federal, universidade e administrações petistas; a segunda, desenvolvendo um processo coletivo de debates com os dirigentes da Rede Federal sobre o desenho institucional e pedagógico que construiríamos para enfrentar os desafios.

Nos cerca de sete anos em que dirigimos a SETEC, a equipe foi formada por Getúlio Marques Ferreira, Luiz Caldas, Jaqueline Moll, Caetana Rezende da Silva, Moisés Sobrinho, Aléssio Trindade, Marcelo Feres, Gleison Rubin, Andréia Andrade, Alexandre Vidor, Elias Oliveira, Renata Gonzatti, Marcelo Minguelli, Roberto Lunelli, Vânia Nobile, Felipe de Angelis, Simone Valdete, Irineu Colombo, Sônia Costa, Marcelo Pedra e outros.

Inicialmente não tínhamos muito claro o que era uma concepção de esquerda da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), nem como seria esta nova institucionalidade. A ideia inicial de Universidades Tecnológicas foi abandonada pois percebemos, através da experiência da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) que, nas universidades, há uma tendência de migração dos cursos para as graduações e bacharelados. Em dez anos teríamos uma crise na oferta de EPT agravando ainda mais a situação.

Iniciamos um intenso debate com os dirigentes das instituições federais de EPT representados por sua entidades: CONCEFET (Cefets), CONEAF (Escolas Agrícolas) e CONDETUF (Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais). Coordenei este debate, com a participação dos demais dirigentes da SETEC e sob a supervisão do ministro Haddad. Embora não tivéssemos ainda o desenho da nova instituição, nosso parâmetro era a formação humana integral, a politecnia, a formação de cidadãos e cidadãs para o mundo do trabalho e o desenvolvimento de tecnologia, em especial as Tecnologias Sociais.

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) que surgiram deste debate foram, portanto, uma obra coletiva construída democraticamente. Todas as decisões foram por consenso e adesão.

* Ex-secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC e ex-secretário municipal de Educação em Porto Alegre e Canoas

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira