Coluna

O caçador

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E o tal grande caçador até o convidou para uma caçada no fim de semana seguinte. Aceitou o convite - Unsplash
Ainda mais sendo uma "autoridade", oficial da Marinha, foi aceito no grupo

Meu amigo que tinha o apelido de Nonô entrou para a Marinha, lá pelos anos 1970. Fez um curso em Salvador e depois foi mandado para Ladário, ao lado de Corumbá, em Mato Grosso do Sul. Foi ser marinheiro de água doce no rio Paraguai.

Chegou em Corumbá n uma tarde de domingo, saiu para passear, olhou para um lado, olhou para o outro, ninguém à vista. Só aquele calorão, uma sensação de estar sozinho no mundo. Entrou num bar com intenção de encher a cara. O bar, com ar condicionado, estava cheio de fazendeiros tomando uísque. O Nonô chegou perto, doido para fazer alguma amizade.

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Escutou o papo deles, era a caça. Todos gostavam de caçar, e entre eles estava um fazendeiro que tinha a fama de ser o maior caçador da região. Tinha armas perfeitas, cachorros valiosíssimos, inclusive um de sua estimação, o Senador, animal que tinha seu maior afeto. Sua mulher e seus filhos diziam que ele gostava mais do Senador do que deles.

Nonô tomou uns uísques e entrou na conversa, apresentando-se como segundo tenente - que era mesmo - e caçador - que não era -. Ainda mais sendo uma "autoridade", oficial da Marinha, foi aceito no grupo. E o tal grande caçador até o convidou para uma caçada no fim de semana seguinte. Aceitou o convite.

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Ele pensava que iam sair com uma espingardinha ali por perto, mas não foi isso. Foram num caminhão, com balcões frigoríficos para conservar os animais caçados, um bando de gente, vários cachorros, várias barracas para o acampamento, fogão a gás, um luxo.

Chegando ao local escolhido, o fazendeiro, líder do grupo e patrão de quase todo mundo que estava ali, determinou:

— Enquanto vocês armam o acampamento, eu e o tenente vamos caçar alguma coisa pro almoço.

Deu uma arma para o Nonô, chamou o Senador e lá se foram os três. O Nonô já estava torto de tanto beber durante a viagem. Andaram meia hora ou pouco mais, pararam num lugar com pegadas de animais e o caçador de verdade virou-se para urinar. Justamente nesse momento o Nonô olhou para o outro lado e viu uma moita mexer. "Tem bicho debaixo, deve ser uma anta", pensou, e não vacilou. Pegou a cartucheira e mandou fogo.

Matou o Senador.

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir