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Sozinho e isolado ninguém é capaz, luta coletiva é cheia de aprendizados

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A luta pela terra e pela moradia irradia conhecimento em várias áreas, desperta o protagonismo que estava abafado em muitas pessoas e afeta positivamente quem está por perto. - Foto: MST
Aprendi a ler e a escrever, a trabalhar na enxada, a lutar junto com os companheiros

“Aqui na comunidade, eu aprendi a conviver. Antes lutei muito, mas sozinho só para beneficiar o patrão, mas aqui no Acampamento Dom Luciano aprendi o conhecimento com outros companheiros”, afirmou Getúlio Lopes do Nascimento, do Assentamento Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa, Baixo Jequitinhonha, MG, quando perguntado sobre o que aprendeu em nove anos de luta pela terra.

Aldemir Silva Pinto, outro camponês Sem Terra acampado afirma que aprendeu muitas coisas. “Aprendi a conversar. Eu não sabia nem conversar com as pessoas. Esse acampamento Dom Luciano é uma escola pra gente. Aprendi quais são nossos direitos. Antes, a gente não sabia de nada, só o patrão sabia. Com a nossa luta pela terra, eu posso sair daqui e ir lá em Belo Horizonte reivindicar nossos direitos. Hoje, eu falo em uma reunião sem tremer. Aprendemos muito com a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). E muita gente aqui do Salto da Divisa, os ribeirinhos e os posseiros aprenderam os direitos deles com a nossa luta. Eles não sabiam que eles tinham direitos de resistir nas terras onde eram posseiros”.

Aprendi que Deus e o evangelho estão aqui. Lutam juntos pela terra

A luta pela terra e pela moradia irradia conhecimento em várias áreas, desperta o protagonismo que estava abafado em muitas pessoas e afeta positivamente quem está por perto.

O Sem Terra Adriano Barbosa dos Santos narra com alegria o que aprendeu. “Aprendi muitas coisas. Aprendi a ler e a escrever. Aprendi a trabalhar na enxada. Antes eu só mexia com cavalo e gado. Aprendi a conhecer os companheiros e a respeitar os direitos dos companheiros. Aprendi a lutar junto com os companheiros. Aprendi a bater pandeiro e a fazer farra. Aprendi a dançar. Aprendi a fazer cesto. Aprendi a conhecer uma cidade: Belo Horizonte, Brasília. Aprendi a chegar perto da Presidenta Dilma. Se eu não fosse Sem Terra, eu nunca iria chegar perto dela. Durante dez anos, eu trabalhei na cidade de Salto da Divisa como segurança da praça dia e noite. Ganhava pouco. Adoeci. Peguei depressão. Após eu adoecer, eles cortaram meu salário e me demitiram. Recuperei minha saúde e a alegria de viver aqui no acampamento na luta pela terra. Aprendi que na luta pela terra a gente melhora a saúde.”

Na luta pela terra, os camponeses e as camponesas Sem Terra aprendem juntos

A luta pela terra se torna uma escola de aprendizados emancipatórios. O Sem Terra Francelino Lopes do Nascimento, hoje, assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes, afirma que aprendeu com os companheiros.“Eu aprendi muita coisa. Antes eu só trabalhava para os outros. Quem inventou que a gente tem que trabalhar para os outros e ser sempre explorado? Vim pra cá e junto com os companheiros, fiquei assuntando, observando os companheiros e fui aprendendo”.

Experiência feliz

A agente de pastoral da Comissão Pastoral da Terra, (CPT) Irmã Geraldinha (Geralda Magela da Fonseca), feliz da vida, relata sua experiência de fé no meio da luta pela terra ao lado do povo camponês expropriado da terra e superexplorado.

“Eu não tinha antes a certeza da graça de Deus no meio do povo. Aprendi que Deus e o evangelho estão aqui nos irmãos camponeses que lutam juntos pela terra, partilhando e convivendo fraternalmente. Aprendi que a luta nos ensina muito no dia a dia, cada um com seu jeito de ser e de agir. Se a gente não estivesse tendo esse movimento de união, não estaríamos conquistando nossos direitos. Tudo aqui é decidido em reunião. Muitas vezes, no início da reunião ninguém sabe o que fazer e nem como fazer, mas um fala uma coisa, outro dá outra ideia e devagarinho vão surgindo umas ideias boas.

Pais e mães, que nasceram e cresceram no campo, protagonizam a luta

Cada dia estou aprendendo que vivendo sozinho e isolado ninguém é capaz, mas juntos nós somos capazes de vencer todos os obstáculos da nossa vida. Aqui aprendemos a transformar as pedras, que são as perseguições, em pães, pois essa terra aqui, mesmo estando em cima de um grande lajedo, hoje está alimentando 43 famílias. Aprendemos a transformar os espinhos, que são as ameaças, em graça de Deus, em ressurreição, em indignação e combustível para a luta. Isso está muito forte dentro de mim.”

Irmã Geraldinha é experiência viva do humanismo libertador. Acreditar no ser humano, cultivar amizade, discutir todos os problemas e, coletivamente, buscar as soluções para cada problema e cada injustiça. Isso reforça a marcha emancipatória.

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Curiosamente o protagonismo da luta pela terra em Salto da Divisa não tem sido dos jovens, que tiveram que migrar para cidades maiores por falta de terra, pela cumplicidade do Governo Federal com o latifúndio e com os latifundiários não libera a terra para o povo e pela falta de oportunidades.

Cadê os jovens?

De fato, em Salto da Divisa, pais e mães, que nasceram e cresceram no campo, é que estão sendo protagonistas da luta pela terra. Uma jovem camponesa Sem Terra, Adenilza Soares Rodrigues, uma dos poucas jovens do Acampamento Dom Luciano, explica:

“Aqui no Acampamento Dom Luciano Mendes, a liderança da luta não está sendo dos jovens. No início da ocupação havia muitos jovens, mas com a demora da conquista da terra tiveram que ir embora para cidades maiores por falta de oportunidades. Muitos jovens não querem ficar na roça por causa da falta de energia, de internet e por causa da vida com poucas oportunidades. Mas, além de querer resgatar o que tomaram de mim quando eu era criança, eu luto por um pedacinho de terra para meus filhos. Aqui no acampamento eu aprendi o que é ser revolucionária. A experiência que eu aprendi aqui aprendi com os mais idosos.”

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Enfim, a luta pela terra e pela moradia, em um Acampamento ou Ocupação se torna uma Escola que ensina de mil jeitos e de forma emancipatória.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.

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* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida