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Eclipse, ovnis e lua de mel vermelha

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O repertório de Bolsonaro passa por plantar a desconfiança sobre as urnas eletrônicas, tema que recebeu menos aplausos do empresariado do que suas posições econômicas - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Não é apenas por ter se casado nesta semana que Lula tem falado tanto em amor

Olá, enquanto Lula ama e Bolsonaro odeia, seres estranhos ao poder Executivo sobrevoam o Palácio do Planalto.

.Quem vai mandar em 2023? Formalmente, Lula, Bolsonaro e uns sete anões são candidatos à presidência da República. Porém, a implosão da estabilidade política, iniciada antes de 2016, colocou outros atores em cena, que ocuparam espaços do poder Executivo e que não pretendem voltar aos seus quadrados em 2023. O STF, por exemplo, foi alçado ao cenário político pelo combo mensalão-lava jato-impeachment. Um papel que, na era Bolsonaro, foi muitas vezes reforçado pela própria esquerda. Como lembra Thomas Traumann, muito antes de Daniel Silveira, Gilmar Mendes impediu Lula de ser ministro, Marco Aurélio impediu Renan Calheiros de assumir a presidência da República na ausência do titular e Teori Zavascki afastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara. Por isso, a disputa em torno das urnas eletrônicas é também a disputa entre o STF e as Forças Armadas por quem se considera o “Poder Moderador”. No caso dos militares, é evidente que não estão dispostos a abrir mão de um governo que garante não só picanha e viagra, mas também um discurso ideológico que remete à guerra fria. Como se comportarão em caso de derrota é a pergunta que todos temos feito. Pelo acostamento, corre o Legislativo, ou melhor, o centrão. Mais humilde, não tem planos de moderar o Executivo, mas também não pretende ser moderado por ninguém. O orçamento secreto de quase R$40 bilhões é um salvo conduto para qualquer que seja o resultado da eleição. Assim como o engatilhado projeto de semipresidencialismo. Por isso, Alon Feuerwerker se pergunta: será que o vencedor das eleições conseguirá “desbalcanizar” o Estado?

.Melhor falar de ovnis. Ao que tudo indica, as eleições serão plebiscitárias, uma avaliação do atual governo e sua comparação com Lula. O problema é que Bolsonaro não tem o que apresentar depois de 3 anos. Daí sua insistência no discurso que é ao mesmo tempo de campanha e golpista, com falas em eventos com produtores agrícolas, lojistas, empresários e policiais militares. O repertório passa por plantar a desconfiança sobre as urnas eletrônicas, tema que recebeu menos aplausos do empresariado do que suas posições econômicas, além de defender o porte de armas de fogo e comparar 2022 com 1964. Bolsonaro andou falando até da possibilidade de ele ser preso, embora a relação da família com a Justiça não ande tão mal depois que o processo das rachadinhas contra Flávio foi enterrado. O STF continua sendo o alvo preferido do capitão, mas o processo por abuso de autoridade contra o ministro Alexandre de Moraes nasceu morto e não empolgou nem suas hordas digitais. No fundo, tudo isso é para fazer o país esquecer da inflação, lembra Leonardo Sakamoto. Além de não saber como dar o reajuste prometido aos servidores, os dois telhados de vidro do governo são o Auxílio Emergencial, cuja fila de espera já ultrapassa 1,3 milhões de famílias, e a escalada no preço dos combustíveis, que não deve parar de subir e pode virar inclusive desabastecimento. Neste tema, a troca do ministro de Minas e Energia não foi suficiente para estancar a insatisfação da base caminhoneira. Agora, ele tenta tirar alguma vitória da cartola, seja criando um subsídio para amortecer o preço do diesel, atualizando o valor dos fretes, ou tentando criar um clima de perseguição dentro da diretoria da Petrobras. Em outra frente, Bolsonaro tenta uma aproximação com a base católica, onde está perdendo para Lula de 46% contra 30% em intenções de voto, segundo o Instituto Ipespe.

.Só se quer amar. Não é apenas por ter se casado nesta semana que Lula tem falado tanto em amor. Os ajustes na coordenação de campanha do petista são evidentes: nada de temas espinhosos, como aborto ou regulação de mídia. O negócio é apostar no contraste com o que o rival tem de pior, o ódio e a indiferença aos mortos pela Covid. Além de driblar polêmicas, o discurso tem destinatário certo, o eleitorado evangélico. Neste caso, a estratégia petista também inclui evitar os pastores donos de grandes igrejas e apostar no trabalho “formiguinha” diretamente com os fiéis. A dúvida é se a fase “paz e amor” resiste até outubro. Enquanto a presença de Alckmin dá o tom de um candidato conciliador, o discurso do petista vai continuar jogando peso no eleitorado mais pobre e em questões urgentes como a fome e o desemprego. O problema é que, em algum momento, Lula vai precisar dizer como combater estas mazelas e aí é que o programa petista pode entrar em rota de colisão com os maiores beneficiários das políticas de Temer e Bolsonaro, o mercado financeiro e o agronegócio. Ter o discurso ajustado para manter a liderança não é uma necessidade apenas da campanha presidencial. Afinal, as primeiras pesquisas estaduais mostram que a direita está bem colocada, tendo à frente o União Brasil com seis candidatos, e o PL com quatro. Mas os candidatos apoiados por Lula em Minas, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia sobem nas pesquisas quando seu nome é associado ao do ex-presidente. E enquanto Lula e Bolsonaro já estão em campanha, a autoproclamada terceira via continua entretida na própria auto-destruição. Uma longa novela que só serviu de cortina de fumaça para a sua verdadeira natureza, a de versão higiênica do bolsonarismo.

.Torra, torra Eletro. Enquanto o discurso golpista e a batalha eleitoral se desenrolam no primeiro plano, logo abaixo mais um crime de lesa-pátria está a caminho. Depois de um processo de análise iniciado em abril, e apesar dos esforços da oposição para barrar o trâmite, o TCU aprovou a privatização da Eletrobras. Ponto para um governo que só agora entrega ao mercado sua primeira privatização. Mas o que justifica colocar à venda no varejo uma empresa estratégica que teve um superávit de R$2,7 bilhões no primeiro trimestre do ano? E justamente num momento em que os negócios na bolsa de valores estão em queda? Certamente não o interesse público, já que a privatização autoriza a Eletrobrás a parar de praticar preços abaixo do mercado e especialistas alertam que a privatização pode desnacionalizar a empresa e o programa nuclear brasileiro, além de impactos ambientais e investimentos em energias poluentes. O que realmente pesou foram os interesses de 6 dos 22 bilionários do país que já controlam uma parte da Eletrobras e querem mais: Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira, Alexandre Behring, Juca Abdalla e Lírio Parisotto. O governo agora deve correr contra o tempo para completar a operação até o meio do ano, evitando contaminar o processo com a disputa eleitoral, mas ao mesmo tempo capitalizando o saldo político do afago feito ao mercado. Outro setor que deve ganhar seu quinhão é o agronegócio, que pode ser contemplado por um decreto do governo que institucionaliza o mercado de carbono no Brasil, mas que ignora o tema da conservação florestal e do desmatamento. É por essas e outras que se entende o silêncio do empresariado em relação às ameaças golpistas de Bolsonaro.

.A próxima bolha vai estourar. Tudo o que uma economia combalida como a brasileira não precisa é de más notícias. Mas com todos os sinais do fim da festa da especulação financeira, dias piores se avizinham. Com a pandemia, os investidores estrangeiros retiraram US$100 bilhões dos mercados emergentes. Três vezes mais que na crise de 2008. Parte deste recurso, voltou na forma de empréstimos aos mesmos países emergentes, num total de US$77 bilhões. Agora com a pandemia chegando ao seu final, estas dívidas globais começarão a ser cobradas, espremendo ainda mais os países pobres. Vide para onde estão indo os dividendos que a União recebeu dos lucros monstruosos da Petrobras: o pagamento da dívida pública. A cobrança das bolas de neve das hipotecas e o crédito estudantil nos Estados Unidos formam um coquetel para um novo tsunami. E o primeiro sintoma de que as bolhas especulativas vão começar a explodir são as queridinhas moedas digitais. Neste setor, duas criptomoedas populares quebraram nesta semana. Quem investiu, no mês passado, US$100 em uma delas, a Luna, hoje, detem 1 centavo, levando à bancarrota desde pessoas comuns a, talvez, um país, como El Salvador. Outras, como o Bitcoin, já desvalorizaram em 50%. E não são apenas elas: a bolha das empresas de tecnologia também caiu cerca de 40%, tanto para gigantes como a Amazon e Netflix, como para brasileiras como a Magalu. E com novos lockdowns na China, as cadeias globais de valor serão atingidas. Como já sabem as empresas com capital aberto na Bovespa: das 45 que entraram na bolsa no ano passado, apenas 9 não estão procurando fusões ou investidores. E se está ruim na Faria Lima, imagine aqui embaixo, onde 90% das profissões perderam poder de compra com a inflação e a reforma trabalhista reduziu a menos de 40% os trabalhadores formais.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.O DNA golpista da República. O historiador Carlos Fico mostra que desde a proclamação da República até nossos dias os militares mantêm o país sob ameaça de golpe. Na Piauí.

.Como envelhecimento do eleitorado brasileiro pode afetar as eleições. Aumento do conservadorismo e apoio à democracia são algumas tendências previstas pelos cientistas políticos. Por Leandro Prazeres na BBC Brasil.

.Sem que entregadores saibam, iFood tem contrato que prevê direitos trabalhistas. Veja como as empresas subcontratadas pelo iFood são usadas para burlar os direitos trabalhistas dos entregadores e isentar a corporação de processos judiciais. Por José Cícero na Pública.

.Professores de faculdades privadas: categoria em extinção? A desregulamentação do setor educacional, o avanço do EaD e a uberização do trabalho estão criando faculdades sem professores. No Diplomatique Brasil.

.Para onde vai o trabalho no Brasil? No Outras Palavras, o economista Márcio Pochmann mostra que, depois da escravidão e do trabalho assalariado, estamos adentrando uma nova era do trabalho no Brasil.

.A ex-classe média na fila da fome. De engenheiros a artistas desempregados, conheça a nova realidade das filas nos centros assistência social no país. Por Olga Jacobina, no Outras Mídias.

.O legado da Comissão da Verdade, 10 anos depois. No DW Brasil, Edison Veiga mostra que apesar de 1.120 depoimentos, 21 laudos periciais e 80 audiências públicas, a Comissão não conseguiu vencer a impunidade. 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Felipe Mendes