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O mal-estar na cultura

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Há 90 anos Freud (1856-1939) escreveu o livro “O mal-estar na civilização” ou “O mal-estar na cultura” (1929) - Foto: Reprodução
Obras de artes contribuíram para a remoção de rígidos preceitos

Há 90 anos Freud (1856-1939) escreveu o livro “O mal-estar na civilização” ou  “O mal-estar na cultura” (1929). Para acompanhar a cultura dominante, o indivíduo é oprimido em suas pulsões e vive em mal-estar.

Resíduos da civilização antiga, como a opressão do homem sobre a mulher; maior aceitação do primogênito que gera sentimento de rejeição aos demais irmãos, causa de muitos conflitos em família. Freud demonstrou que as crises de histeria das mulheres eram decorrentes das normas e preceitos morais em vigor na sociedade, que impediam o normal funcionamento de seus órgãos genitais.

As obras de artes, de um modo geral, e em especial a dramaturgia, contribuiu para a crítica e remoção de rígidos preceitos que oprimiam as classes subalternas, as mulheres e as etnias não brancas. Revelando os dramas existenciais na sociedade contemporânea, explicitando torpor, revolta, indignação e desespero dos indivíduos. Entre tantos, destacam-se as produções intelectuais de Jean Paul Sartre, (1905-1980), Virgínia Woolf (1882-1941) e Clarice Lispector (1920-1977).

Sartre: o inferno são os outros

Na peça teatral “Entre quatro paredes” de Sartre, lançado em 1944, em plena segunda guerra mundial, três personagens se vêm condenados a conviver uns com os outros em um quarto fechado. Garcin, um pacato cidadão que não consegue realizar seus planos. Estela, uma mulher fútil que assassinou seu bebê que teve com um amante. Inês, homossexual, procura mostrar que os outros sofrem mais que ela. Estela se interessa por Garcin e Inês por Estela.

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Intrigas, acusações e tentativa de morte tornam o ambiente insuportável e daí a conclusão: os outros são sempre culpados pelos males da alma de cada um. “O inferno são os outros”.

Virgínia Woolf: espetáculo de baixarias

Virgínia Woolf, escritora inglesa feminista, cujas obras foram editadas em quase todos os países do mundo, faz uma crítica severa ao patriarcalismo de sua época. Por esse motivo serviu de argumento para a peça teatral do dramaturgo americano, Edward Albee (1962).

A peça gira em torno do casamento de George e Marta, que é filha do reitor de uma grande universidade nos EUA. Marta se vale dessa situação para considerar-se superior ao marido. George, em função do sogro, torna-se chefe do departamento de História da dita universidade. O casal fica conhecendo Nick, um professor de Biologia, em uma festa na casa do pai de Marta e, já altas horas, o convidam para ir com sua esposa à sua casa para conversarem.

Desde o momento que Nick e sua esposa chegaram à casa de George e Marta, recomeçaram a beber e assim vão até o dia amanhecer. Marta aproveita-se da passividade de George e passa a humilhá-lo com insultos torpes. Surge aí uma ansiosa e falsa exibição de status e poder que envenena o ambiente, chegando a ofensas físicas.

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Marta se julga uma mulher liberada e consciente, por ser leitora de Virgínia Woolf e diz repetidas vezes, insultando os homens: quem tem medo de Virgínia Woolf? No auge da embriaguez os quatro não percebem que a reunião havia se tornado um espetáculo de baixarias.

Clarice Lispector: laços de família

No conto “Feliz aniversário” do livro “Laços de Família”, de Clarice Lispector (1945), uma família de sete irmãos, todos casados, tem a mãe viva, porém muito velha. Somente a filha mais nova se dispõe em receber Dona Zita em sua casa e cuidar dela com carinho. Os demais, somente uma vez por ano iam à casa da irmã para celebrar o aniversário de Dona Zita.

Quando ela completou 98 anos fizeram a tradicional festa reunindo filhos, netos e noras. Os filhos conversavam trocando ofensas entre eles e as noras brigavam entre si em outro canto da casa.

Capitalismo, narcisismo, rivalidade, ditaduras

O sistema capitalista liberal gera a competitividade, o narcisismo e a rivalidade nos grupos familiares, ambiente de trabalho e vizinhança, causando mal-estar.

O atual estado mórbido de convivência é herança do clima de antagonismo e divergências das ditaduras implantadas ao longo do século XX. Os udenistas não consideravam os getulistas só como adversários políticos, mas inimigos mortais. Não pensavam vencer seus adversários por meios eleitorais, mas com intrigas, difamações, assassinatos.

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Ao longo do regime militar (1964-1985) continuaram as práticas de revanches, por meio de assassinatos, torturas, cassação de mandatos, exílios e até tentativa de bombardear um auditório nas comemorações do 1º de maio de 1981.

As ditaduras foram e são sempre regressivas: mantiveram e ampliaram velhos privilégios da elite do poder; atuaram no sentido de anular conquistas democráticas, sociais e alimentaram os preconceitos racistas, socias e de gênero.

           

Antônio de Paiva Moura é professor de História, aposentado da UEMG e UNI-BH. Mestre em História pela PUC-RS

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida