Entre ser o “otário” e o “malandro”, Moisés seguiu o caminho do respeito ao espírito esportivo
*Luiz Ferreira
O relógio marcava dois minutos do segundo tempo na Arena Castelão. O Fortaleza perdia para o Fluminense por 1 a 0 e se lançava ao ataque para tentar ao menos o gol de empate para garantir um pontinho a mais na tabela do Brasileirão.
Foi nesse instante que o atacante Moisés puxou um contra-ataque para o Leão do Pici, mas viu o zagueiro Nino sentiu a coxa e abandonou o lance. O atacante do Fortaleza teria todo o espaço do mundo para partir na direção do gol, mas parou a jogada para que seu adversário pudesse receber atendimento médico.
O Fortaleza perdeu o jogo e segue segurando a lanterna do Brasileirão. É bem possível que o gesto nobre de Moisés seja lembrado mais pela falta que esse gol fez no domingo (22) do que pelas lições que ele deixa para os amantes do velho e rude esporte bretão. Isso porque Moisés seguiu à risca os preceitos do Fair Play.
E não é nenhum exagero afirmar que essa foi a jogada mais bonita do ano até agora.
É meio complicado exigir que duas equipes de futebol pratiquem o "jogo limpo" durante 100% do tempo. O próprio torcedor (este eterno apaixonado) às vezes exige um nível de retidão moral por parte de todos que vestem a camisa de seu time do coração que nenhum de nós conseguirá alcançar nem nas próximas dez encarnações. Somos humanos. E errar ainda faz parte do nosso cotidiano.
Moisés foi xingado. Criticado. E até ameaçado. Mas como o próprio afirmou posteriormente, "fez o que o coração mandou". Fez aquilo que considerava certo. Mesmo que a lógica torta do futebol exija vitórias a qualquer custo. É a tal "malandragem", a "Lei de Gerson" e o medo de ser o "otário" da história.
Nós celebramos a "malandragem" de Nilton Santos na Copa de 1962, quando a “Enciclopédia do Futebol” deu um passinho pra frente depois de derrubar o atacante espanhol Collar dentro da área. O mesmo mundial ainda nos traria o episódio no qual os cartolas brasileiros deram aquele “jeitinho” e garantiram a presença de Garrincha na decisão contra a antiga Tchecoslováquia depois do Mané ter sido expulso nas semifinais contra o Chile. E isso só para ficar em dois momentos.
Por outro lado, criticamos a "catimba" de argentinos e uruguaios, o jogador que "cava" uma falta ou uma penalidade (enganando o árbitro) e a “cera” que qualquer goleiro adversário faz contra nosso time.
O gesto de Moisés nos deixa lições importantes não só para aqueles que amam esse bendito esporte jogado com os pés e que movimenta corações e mentes desde os tempos de Fergus Suter.
Tudo o que vemos num estádio (aqui ou fora do Brasil) é o retrato perfeito de toda uma sociedade que usa o futebol para descarregar suas frustrações. Vejam que isso é completamente diferente de entretenimento, de diversão, de ir para o estádio vibrar (ou não) com seu time. Vencer ou perder é do jogo. Vida que segue
Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Errado.
Eu gostaria muito que o Fair Play de Moisés ganhasse as manchetes e fosse tão aplaudido quanto um gol ou uma grande defesa. Mas sabemos que as coisas ainda não funcionam assim. É bem possível que ele acabe sendo mais lembrado como o jogador que desperdiçou uma chance de ouro do que aquele que agiu com honestidade e retidão.
Entre ser o "otário” e o "malandro", Moisés seguiu o caminho do respeito ao espírito esportivo. E isso vale demais. Mesmo que a lógica torta do "boleiro" diga o contrário.
*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Mariana Pitasse