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BH é quem? BH é nóis!

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No final deste mês, alunos e alunas terão a oportunidade de ser os primeiros visitantes do Largo do Rosário, local onde existia a Capela do Rosário - Foto: Reprodução
Projeto de escola estadual no Barreiro, em BH, propõe discutir com alunos acesso à cidade

Em 2019, Fabrício Seixas, professor de história da Escola Estadual Divina Providência, situada no bairro Regina, organizou aulas-passeios com as suas turmas para o Museu Abílio Barreto (MHAB), no bairro Cidade Jardim, e para o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (APC-BH), localizado no bairro Floresta. O projeto Seu Nome, Seu Bairro tinha como objetivo discutir a história de Belo Horizonte e o desenvolvimento do transporte público, além de promover o direito à cidade.

A escola está localizada na regional Barreiro, nos limites da capital com os municípios de Ibirité e Contagem, distante dos centros turísticos, culturais e históricos de Belo Horizonte. A esmagadora maioria dos alunos tem as suas vivências restritas à região. Grande parte deles acessam a escola a pé, pois moram nas redondezas.

Em parceria com o movimento Tarifa Zero BH, a Rádio Autêntica Favela BH e gestores dos locais, um financiamento coletivo permitiu levar os alunos e alunas ao MAHB e ao APC-BH. Para alguns, foi a primeira vez que pisaram em um museu. Nenhum deles jamais havia ido ao bairro Cidade Jardim.

 

 
 

 

Estudantes das turmas 2A e 2B da Escola Divina Providência em visita ao parque da Serra do Curral | Crédito: Reprodução

O que era para ser um projeto com apenas algumas turmas tornou-se um rascunho para um sonho maior: neste ano, a escola conseguiu recursos para ampliar o projeto para toda a escola. Batizado de “BH é quem? BH é nóis!” pelos estudantes da escola via eleição direta, o projeto assumiu uma identidade coletiva com a participação de outros professores e parceiros. A ideia é que o saber atravesse os muros e estenda a dimensão escolar para o restante da cidade.

Pedro Marinho, estudante do segundo ano do ensino médio que fez parte do projeto em 2019 e agora compõe o projeto “BH é quem? BH é nóis!”, analisa o passado e o presente:

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“Em 2019, tivemos a oportunidade de dar os primeiros passos desse projeto, que voltou neste ano com mais força e com um novo nome. Um projeto super original com a simples ideia de apresentar Belo Horizonte aos belo-horizontinos'. Uma ideia irônica talvez, mas de muito peso, porque está sendo, para mim e para a maioria dos meus colegas, a chance de acessar espaços dos quais somos excluídos no dia a dia por falta de um transporte público de qualidade, junto com a falta de ações políticas que visem o direito de ir e vir de todo cidadão”.

Direito à cidade e contradições

Entender-nos como cidadãos passa, necessariamente, pela assimilação dos espaços públicos de nossa cidade. É a partir desse processo que produzimos sentidos para a organização social e cultural. Assim, a temática do direito à cidade revela os conflitos entre aquilo que foi planejado e o que é praticado dentro das relações de poder e das resistências – e re-existências – inscritas no cotidiano urbano.

A história da formação do transporte urbano também é peça chave para o desenvolvimento da capital, já que possibilita e limita, simultaneamente, o acesso à cidade. A precarização e o custo da tarifa atual do sistema de transporte urbano dificultam o acesso não só dos estudantes da Divina Providência às principais atrações culturais da capital, como de milhares de crianças e adolescentes moradores das regiões periféricas e da Região Metropolitana. Por isso torna-se essencial proporcionar aos estudantes a chance de conhecer a sua própria cidade de modo a compreendê-la como um espaço educativo para além dos muros da escola.

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Para Renata Almeida, vice-diretora, a escola Divina Providência sempre tentou proporcionar aos alunos conhecimentos que ultrapassassem o mero conteudismo. A realização desse projeto é o passo inicial para a concretização desse objetivo de ocupar a cidade e de ressignificar os espaços de ensino e de aprendizagem.

Estudantes do 1ºC em visita ao Centro Cultural Banco do Brasil | Crédito: Reprodução

Visitas realizadas e previstas

O projeto terá atividades durante todo o ano de 2022 contando com a participação de 26 turmas do ensino fundamental e médio. Até o momento, várias turmas já visitaram espaços como o Palácio da Liberdade, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o Museu Minas Metal, o Museu de Artes e Ofício, o Palácio das Artes, o MAHB, o Museu de Ciências Naturais e o Parque da Serra do Curral.

No parque, os estudantes foram recebidos pelo engenheiro ambiental Felipe Gomes, que atua contra a exploração mineral da Serra do Curral. “Foi uma experiência mágica apresentar o parque aos estudantes, que desconheciam o espaço, e, simultaneamente, debater sobre o absurdo plano de exploração mineral em que a ganância de alguns prevalecem em detrimento daquilo que é sagrado para o povo de Belo Horizonte”, relatou.

No final deste mês, alunos e alunas terão a oportunidade de ser os primeiros visitantes do Largo do Rosário, local onde existia a Capela do Rosário, construída pela Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, e o Cemitério dos Negros. Eles se situavam na região próxima onde hoje se encontram as ruas da Bahia e Timbiras, mas foram demolidos – sem nenhum reconhecimento posterior – para a construção da capital. O local foi reconhecido recentemente como patrimônio cultural imaterial pela Prefeitura de Belo Horizonte. A visita será conduzida pelo padre Mauro Luiz da Silva, um dos responsáveis pela pesquisa histórica e pelo trabalho de reconhecimento do Largo do Rosário.

O projeto tem a capacidade de cativar o interesse dos alunos pelas suas ancestralidades e por sua cidade, aflorando o potencial da educação quando esta é valorizada. Ao final do projeto, será montada uma exposição fotográfica no Centro Cultural Lindeia Regina, com as fotos capturadas pelos próprios estudantes por meio de celulares, possibilitando que eles ressignifiquem e recontem a história de Belo Horizonte a partir de suas perspectivas. Todos e todas são mais que convidados. Conheça mais e acompanhe o projeto aqui.

 

Fabrício Seixas é professor de História da Rede Estadual de Minas Gerais.

Felipe Gomes é engenheiro ambiental e idealizador do Ah é lixo!?.

Pedro Marinho é estudante do ensino médio da E.E. Divina Providência.

Renata Almeida é vice-diretora e professora de História da E.E. Divina Providência.

Bill é integrante do Tarifa Zero BH.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

 

Edição: Larissa Costa