Minas Gerais

Coluna

A criação do Estado Soviético

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O segundo Congresso Nacional dos Sovietes, que representava milhões de trabalhadores, estabelece que todo poder legítimo da Rússia pertencia aos sovietes - Foto: Reprodução
No dia 25 de outubro de 1917, no principal salão Smolni, o Congresso toma em suas mãos o poder

Lênin, cansado o bastante, após algumas noites sem dormir, entrega a Lunatcharski*, uma mensagem para ser lida na abertura do segundo Congresso Nacional dos Sovietes. Então, ele sai do Instituto Smolni e vai para o apartamento de Vladimir Bonch** a fim de descansar.

No dia 25 de outubro de 1917, no principal salão Smolni, então sede do novo governo e com a presença de 650 delegados, sendo 400 deles bolcheviques, Lunatcharski sobe a tribuna para ler a mensagem que Lênin havia escrito: “aos operários, soldados e camponeses! Apoiando-se na vontade da imensa maioria dos operários, soldados e camponeses… o Congresso toma em suas mãos o poder”.

A mensagem é aprovada com calorosos aplausos. O segundo Congresso Nacional dos Sovietes, que representava milhões de trabalhadores, estabelece que todo poder legítimo da Rússia pertencia aos sovietes. A ditadura da minoria burguesa estava, de uma vez por todas, vencida.

Lênin ainda não conseguia dormir no apartamento de Vladimir Bonch, conforme relato deste, em suas memórias. Lênin continuava a pensar no segundo Congresso dos Sovietes que, no dia seguinte deveria se reunir em segunda sessão. Lênin levanta-se, com cuidado para não acordar ninguém e põe-se a redigir durante a madrugada os históricos “Sobre a Paz e Sobre a Terra”.

Na tarde do dia seguinte, 26 de outubro de 1917, Lênin comparece ao Smolni, onde não estava presente apenas os delegados, mas sim, uma multidão de operários, soldados e marinheiros que se comprimiam para vê-lo. São atirados bonés ao ar, espingardas são levantadas para saudá-lo. Todos de pé, passam a escutar o relatório de Lênin sobre a paz.

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O Congresso aprova, por unanimidade o primeiro decreto do poder soviético: o Decreto Sobre a Paz, que declarava ser a guerra o maior crime contra a humanidade. Sendo assim, surge o Estado Soviético, tendo como sua primeira fala a palavra paz. É aprovada uma resolução no sentido de terminar, de imediato, uma paz justa e democrática, sem anexações ou indenizações, com todos os países inimigos.

Lênin, apresenta o relatório sobre o problema da terra, logo em seguida, lendo o projeto de decreto. Ao elaborá-lo, ele lembra da passagem do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels: “os comunistas podem resumir sua teoria nesta fórmula única: a abolição da propriedade privada”. Seu Decreto Sobre a Terra é aprovado em meio a clamorosos aplausos dos delegados. Em síntese, é decretado: “a propriedade latifundiária da terra é abolida imediatamente sem qualquer indenização. É abolida para sempre o direito de propriedade privada sobre a Terra. Toda a terra converte-se em patrimônio de todo o povo”.

O segundo Congresso Nacional dos Sovietes elege o governo (Conselho de Comissários do Povo), tendo como presidente Lênin; além de outros revolucionários escolhidos para compor o Conselho: Stalin, para o Comissariado das Nacionalidades; Lunacharski, Educação; Semasko, Saúde, entre outros. Após serem eleitos os 101 membros para o Comitê Executivo Central dos Sovietes de Deputados Operários, Soldados e Camponeses, o Congresso conclui seus trabalhos, ressoando por todo o salão Smolni a melodia de “A internacional”***.

Ao receber em seu gabinete alguns operários receosos, Lênin vos diz, após ouvi-los com atenção: “eu também nunca dirigi um Estado, mas o partido e o povo encarregaram-me desse trabalho, o meu dever é honrar a confiança que depositaram em mim. Recomendo-lhes que façam o mesmo”.

“Nem só os ricos ou funcionários das classes ricas sabem manejar o Estado”, dizia Lênin, “pois entre o povo abundam organizadores talentosos”. “O socialismo não é mais do que obra das próprias massas, fonte inesgotável de talentos; cumpre ajudá-los a desenvolverem-se”.

O Conselho de Comissários do Povo reunia-se todos os dias, durante horas, de onde surgiam medidas revolucionárias. Sendo: tornaram-se propriedade de todo o povo os meios de transporte, os bancos, as fábricas dos grandes capitalistas; foram suprimidos os privilégios das classes ricas, abolidos os títulos nobiliárquicos; foi ordenada a desmobilização do antigo exército, anuladas todas as dívidas do Estado; homens e mulheres foram declarados iguais perante a lei; foi decretada a jornada de oito horas de trabalho.

Começa a surgir novos órgãos estatais, como o Conselho Superior de Economia e a Comissão de Combate à contrarrevolução (Cheka). Velhas instituições judiciais foram substituídas por novas, eleitas sob base democrática. Portanto, a velha máquina estatal estava sendo abolida. Um dos primeiros decretos do Poder Soviético, redigido por Lênin, foi a “Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado”, que proclamou a República Socialista Soviética da Rússia (RSFSR), na base da livre união das Nações, sob a forma de federação.

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Em novembro de 1917, são realizadas eleições para a Assembleia Constituinte. Lênin também propôs aos governos da França, Inglaterra e EUA a paz entre eles e a Alemanha, sem sucesso. Então, em 10 de dezembro de 1917, na pequena cidade de Brest-Litovski, ocupada por alemães, tem início a conferência de paz. Mas, a exigência dos alemães era anexionista, uma vez que, para firmar a paz, eles exigiam que o território russo ocupado da Letônia, Lituânia e parte da Bielorrússia passasse a fazer parte da Alemanha.

Lênin havia recomendado a Trotski, que na época era Comissário do Povo para Negócios Estrangeiros, que, embora duras e lesadoras as condições alemãs, a paz deveria ser firmada; pois a Rússia precisava disso par consolidar o socialismo. Uma vez que o velho exército czarista estava desintegrado e o recém-criado Exército Vermelho era muito pequeno. Trotski, não seguiu as instruções de paz imediata, seu lema continuava “nem paz, nem guerra”; na verdade, opunha-se a firmar a paz.

O exército alemão, retoma então a ofensiva contra a Rússia para estrangular o poder soviético e fazer da Rússia uma colônia. Grande número de operários e camponeses engrossam o Exército Vermelho para conter a ofensiva alemã, que avançam e ocupam mais território russo; chegando a tomarem importantes cidades, chegando até próximo de Petrogrado.

Lênin convoca o sétimo Congresso do Partido no sentido de estabelecer a paz, seu tema central. O Congresso aprova a linha de Lênin. Trotski é afastado do Comissariado do Povo para os Negócios Estrangeiros e, com isso, faz oposição a Lênin, abertamente, liderando os chamados “comunistas de esquerda”, grupo que contava com Bukarin, Ossinski e Bubnov.

Então, no dia 3 de março de 1918, em condições mais onerosas para a Rússia, é firmada a paz com a Alemanha, tendo a Rússia perdido toda a região do Báltico, a Ucrânia e a Bielorrússia, tendo ainda que pagar uma grande indenização de guerra. Entretanto, o Poder Soviético é salvo, pois, em novembro de 1918, o Kaiser Guilherme é derrubado do poder alemão e o tratado espoliador de Brest foi anulado, e o território perdido é retornado à Rússia.

No dia 11 de março de 1918 o Governo Soviético deixa Petrogrado e é transferido para o Kremilin, em Moscou, que passa a ser a capital do país. Lênin passa a residir ali, no terceiro andar com sua esposa.

De meados de 1918 a meados de 1921, é imposta à Rússia uma guerra que o país não queria, custando-lhe milhões de vidas e incalculável devastação econômica. Um breve resumo dessa época, até a triste e heroica morte de um dos maiores líderes revolucionários do século 20, iremos ver no próximo artigo.

                  

Antonio Manoel Mendonça de Araujo é professor de Economia, Conselheiro do Sindicato dos Economistas (Sindecon/MG) e ex-coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed-MG).

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

 

*Anatoli Vasilevitch Lunatcharski (23/11/1875 – 26/12/1933), dramaturgo, crítico literário e político soviético, responsável pelas políticas públicas revolucionárias da Educação.

**Vladimir Dmitriyevich Bonch-Bruyevich (28/06/1873 – 14/07/1953), foi um político, historiador. Escritor e Velho bolchevista. Foi secretário pessoal de Lênin.

*** A Internacional, hino dos trabalhadores revolucionários, composta em 1887 por Pierre Degeyter, operário torneiro, falecido em 1932, que compôs a música sobre a letra de Eugéne Pottier, falecido em 1887, e que foi membro da Comuna de Paris. Em 1889, foi adotada como hino da Segunda Internacional. Após a Revolução Socialista de Outubro, a Internacional foi o hino nacional da URSS, até 1943, quando foi substituído. “Bem unidos façamos, nesta luta final, uma terra sem amos”, uma de suas estrofes.

Edição: Larissa Costa