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De 1918 a 1924, os seis últimos anos de Lênin

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“Morreu o homem cuja direção combativa o nosso partido arvorou a bandeira vermelha em todo o país" - Foto: Reprodução
Lênin considerava o marxismo como uma doutrina viva, dinâmica, que se devia continuar a desenvolver

Após ser firmada a paz com a Alemanha, em 1918, Lênin irá se defrontar com sua maior tarefa: restabelecer a economia e fazer o povo gerir o novo Estado. Os operários e camponeses passam a ser os novos donos das fábricas e da terra. Portanto, o principal seria criar uma economia nova, socialista. Lênin escreve: “essa é a tarefa mais difícil, pois trata-se de organizar de um modo as mais profundas bases da vida de dezenas e dezenas de milhões de homens, as bases econômicas. E essa é também a tarefa mais fecunda, porque somente depois de resolvê-la poderá dizer-se que a Rússia se converteu não só em República Soviética, mas igualmente em República Socialista”.

Ao final de abril de 1918, Lênin termina de escrever “As tarefas imediatas do poder soviético”, em que explica como aumentar a produtividade do trabalho, desenvolver a competição socialista, organizar o controle popular, integrar as massas na atividade social; ou seja, como deverá ser governada a Rússia Socialista. Isso já esboçava, aprimorado em instruções leninistas, um plano econômico único para todo o país. Nesse período, alguns contrarrevolucionários, juntos com intervencionistas estrangeiros irrompem uma guerra civil. A paz para os soviéticos, então, dura pouco, apenas dois meses.

De meados de 1918 a meados de 1921, uma guerra custará à Rússia milhões de vidas e uma inesperada ruína econômica. Guerra essa que os russos não queriam.

As forças hostis à Revolução de Outubro não se limitavam apenas à sabotagem econômica e à luta política, mas estimulavam também a luta armada, a fim de derrubarem o Poder dos Sovietes, e restabelecer o velho regime. Os capitalistas da Inglaterra, França e EUA, além de outros países, não aceitavam perder os fabulosos lucros que lhes propiciavam a busca das riquezas da Rússia. A luta dos contrarrevolucionários é intensa.

No dia 1 de julho de 1918, soldados estadunidenses, ingleses, franceses, canadenses, italianos e sérvios tomam a cidade de Murmanski, em seguida, a de Arkangel; enquanto japoneses e ingleses tomam Vladivostok.

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O Congresso Nacional aprova em 10 de julho de 1918 a primeira Constituição Soviética, que tinha por base a “Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado”. Lênin possuía uma inenarrável atividade nos anos de intervenção estrangeira e de guerra civil. Sob sua direção, vários planos são traçados de operações militares, idealizando-se nos combates do Exército Vermelho.

Os intervencionistas tentam a todo custo libertar o czar Nicolau II, que estava detido em Petrogrado, para que ele chefiasse as forças contrarrevolucionárias. Por fim, o plano não dá certo e ele é fuzilado em 17 de julho de 1918, por ordem do Soviete dos Urais. Mas, alguns dias depois, os guardas brancos (1) e intervencionistas entram na cidade e apoiando os mencheviques e eseristas (2) formam os “governos” antissoviéticos, contrarrevolucionários.

No dia 30 de agosto de 1918, Lênin, ao terminar um discurso no pátio da grande fábrica, em Moscou, é atingido pelas costas, à queima-roupa, pela eserista Kaplan, que, ao desferir três tiros, acerta dois: uma das balas, parte o ombro esquerdo de Lênin, e a outra perfurará seu pulmão causando forte hemorragia. Ele é levado às pressas para seu apartamento no Kremilin, onde vários médicos o socorrem e lhes recomendam repouso absoluto, pois sua vida correu sério risco. Por todo o mês de setembro, ele se recupera em Gorki, uma pequena cidade perto de Moscou, sendo substituído por Sverdlov à frente do Governo.

A Rússia defende-se da invasão de mais de dez países, sendo cercada por mais de um milhão de soldados. O Exército Vermelho era bem inferior. Lênin, já restabelecido diz: “levantemo-nos em ajuda da frente leste”. Milhares de jovens e operários sindicalizados ouvem seu apelo e marcham para a frente de combate, onde muitos chefes militares se tornariam notáveis no Exército Vermelho, como Frunze, Budioni, Chaparv, Vorochilov entre outros.

Apesar do enorme trabalho de organização do Estado Soviético e da defesa do país, Lênin encontrava tempo para escrever. Em outubro de 1918 ele escreve o livro “A revolução proletária e o renegado Kautsky”. Nesse livro, além de denunciar a traição de Kautsky à classe operária, Lênin ensina que enquanto existirem várias classes, só se pode tratar de democracia de classe. Se a democracia burguesa exprime os interesses da minoria, a democracia proletária “é um milhão de vezes mais democrática”, pois salvaguarda os interesses da maioria absoluta da população, os trabalhadores, não existindo poder mais democrático do que o exercido através dos sovietes. E, precisamente, a mercê da ditadura do proletariado, o povo soviético podia combater com êxito a contrarrevolução e a invasão dos imperialistas.

Ao final de 1918 e início de 1919, novas forças estrangeiras penetram mais ao norte da Rússia. Lênin sabia das dificuldades, não oculta a verdade aos trabalhadores e exorta o incremento da ajuda ao Exército Vermelho. Todos respondem ao seu apelo e, em todo o país, organizam os chamados “sábados comunistas”, em que, após a jornada de trabalho de oito horas, os trabalhadores realizavam horas extras gratuitas para o Estado. Adotando-se a política econômica denominada “comunismo de guerra”, aos camponeses eram requisitados o excedente dos cereais para abastecer o Exército Vermelho e os operários.

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No início de 1919, o oitavo Congresso do partido aprova seu novo programa, fixando os objetivos do Partido Comunista para o período de passagem do capitalismo ao socialismo. Em março desse ano, é realizado em Moscou o primeiro Congresso da Terceira Internacional Comunista.

Em julho de 1919, centenas de cidades e aldeias são destruídas com milhões de pessoas mortas. Milhares de operários e camponeses vão engrossar a frente de batalha. Ao final desse ano, em quase todas as frentes, o Exército Vermelho sai vitorioso. Após uma trégua, Lênin trata da reestruturação e do fomento da economia.

Em março de 1920, no Teatro Bolshoi é instalado o nono congresso do partido, cujo tema central seria “reconstrução econômica do país”, onde seria discutido o plano econômico único para toda a Rússia, com prioridade para a eletrificação. “Comunismo é o poder soviético mais a eletrificação de todo o país”, diz Lênin.

Em maio de 1920, latifundiários e capitalistas poloneses apoiados pelos imperialistas estadunidenses e ingleses empreendem uma luta armada contra os sovietes. Em uma heroica batalha, o Exército Vermelho põe abaixo o plano dos imperialistas.

Ao final de 1920, Lênin escreve o livro “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”, em que expôs a luta do Partido Bolchevique aos dirigentes “de esquerda” dos partidos comunistas.

Em março de 1921, em Cronstadt, perto de Petrogrado, tem início a última e forte revolta contrarrevolucionária. Não atendendo a ordem de rendição para contar com clemência do governo, os rebeldes são derrotados pelo Exército Vermelho, comandado por Trotski. Termina assim, a guerra civil com a vitória do povo soviético. Lênin diz com orgulho: “resistimos contra todos. Jamais será vencido um povo cujos operários e camponeses na sua maioria, saibam e vejam que defendem o poder soviético, o poder dos trabalhadores”.

Os anos seguintes foram de reconstrução do Estado Soviético. Em 20 de novembro de 1922, Lênin doente, faz seu último discurso público no plenário do Soviete de Moscou, onde destacou o importante papel do partido na construção da nova sociedade socialista, estimulando uma administração racional da economia.

Em fevereiro de 1923, tendo melhorado um pouco, ele dita seus últimos trabalhos: “A nova revolução”, “Sobre a cooperação”, “Mais vale pouco mas bom” e “Carta ao congresso” (3).

Em maio de 1923, sua saúde piora, no meio desse mesmo ano, após uma certa melhora, nos dias 18 e 19 de outubro, ele regressa a Moscou, como recorda sua esposa, em “Memórias de Lênin”: “subitamente, dirigiu-se à garagem, subiu para o carro e insistiu em ir a Moscou. Percorreu todas as divisões do Kremilin, entrou em seu gabinete, esteve na sala do Conselho dos Comissários do Povo. Pôs em ordem seus cadernos, pegou três volumes de Hegel e levou-os consigo… No dia seguinte, apressou-se para voltar a Gorki”.

No início da noite de 21 de janeiro de 1924, Lênin morre devido a um derrame cerebral. A notícia corre rapidamente por toda a URSS e pelo mundo. Na mesma noite, o Comitê Central do partido reúne-se e comunica ao povo: “morreu o homem cuja direção combativa o nosso partido arvorou a bandeira vermelha em todo o país, varreu a resistência dos inimigos e consolidou firmemente o domínio dos trabalhadores na que foi a Rússia czarista. Morreu o fundador da Terceira Internacional Comunista, o chefe do comunismo mundial, orgulho do proletariado internacional, bandeira do oprimido”.

O corpo de Lênin é transladado de Gorki para Moscou no dia 23 de janeiro de 1923, ficando exposto por quatro dias na Sala das Colunas da Casa dos Sindicatos. Centenas de milhares de operários, camponeses e soldados, mulheres, velhos e crianças de toda a URSS desfilam na última homenagem ao lado de seu corpo.

Em 27 de janeiro de 1924 seu corpo é embalsamado e depositado no mausoléu da Praça Vermelha, junto ao Kremilin, onde é visitado até hoje por milhares de trabalhadores do mundo inteiro. Em 1924, a pedido dos operários de Petrogrado, a cidade recebe o nome de Leningrado.

Lênin considerava o marxismo como uma doutrina viva, dinâmica, que se devia continuar a desenvolver.

Antonio Manoel Mendonça de Araujo é professor de Economia, Conselheiro do Sindicato dos Economistas (Sindecon/MG) e ex-coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed-MG).

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

(1) Exército Branco ou Guarda Branca, organizações e grupos que atuavam na Rússia, no início do século XX, unindo movimentos tanto políticos como militares, que se opuseram aos bolcheviques após a Revolução de Outubro, lutando na guerra civil russa de 1918 a 1921 contra o Exército Vermelho.

(2) Eseristas, assim chamados os integrantes do Partido Socialista Revolucionário Russo, cujos adeptos eram também chamados de Socialistas Revolucionários de Esquerda ou SRs de Esquerda; partido formado pela separação da fração mais esquerdistas do Partido Socialista Revolucionário.

(3) Conhecida como “Testamento”, foi lida em maio de 1924, perante delegados ao XIII congresso do Partido. Sendo publicada somente em 1964.

Edição: Larissa Costa