Minas Gerais

Coluna

Juventude e a luta pela terra

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Plantio de árvores pela Juventude Sem Terra nas escolas do campo - Foto: MST SC
Quanta sabedoria há em quem está militando na luta pela terra

Na minha pesquisa de doutorado, sobre a luta pela terra como pedagogia de emancipação humana, defendida em 2014, descobrimos aprendizados que socializamos abaixo. O futuro da luta pela terra dependerá muito dos jovens.

Antoniel Assis de Oliveira, camponês, mestre em Educação do Campo, pondera que “para cultivar a terra da fazenda Monte Cristo, no município de Salto da Divisa (MG), no Baixo Jequitinhonha, no Assentamento Dom Luciano Mendes, vai precisar de trator e outras máquinas. Não vão bastar a enxada, a foice, o machado e a força dos braços. Os jovens têm mais facilidade de aprender tecnicamente a mexer com essas máquinas. Os idosos, que estão lutando aqui no acampamento Dom Luciano, terão, com certeza, uma velhice feliz. Mas, para o desenvolvimento da produção, vamos precisar da juventude com sua força e entusiasmo, inclusive para o desenvolvimento do assentamento daqui a 20 anos. Sem a juventude, o futuro da luta pela terra fica comprometido”.

Salvo raríssimas exceções, todos os pais e mães do Acampamento Dom Luciano, em Salto da Divisa, foram unânimes em dizer que seus filhos e filhas, que estão hoje morando de aluguel e trabalhando em Belo Horizonte, São Paulo, Porto Seguro, Vitória da Conquista e em outras cidades, voltarão para se juntar a eles assim que a fazenda Monte Cristo for definitivamente conquistada.

O Sem Terra Aldemir Silva me disse dia 22 de setembro de 2014: “nossos filhos estarão conosco assim que conquistarmos a terra. Um dos meus filhos está pagando um salário mínimo de aluguel lá na capital. Está doido para voltar”.  Vários pais, como o camponês Sem Terra Ozorino Pires, já ouviram dos filhos o seguinte: “pai, assim que o senhor arranjar um pedacinho de terra, eu largo tudo aqui na capital e volto para trabalhar ao seu lado”.

Isso traz um novo oxigênio para a luta pela terra. No início da ocupação, no Acampamento Dom Luciano Mendes, havia muitos jovens, já com filhos, inclusive. A agente de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG) Irmã Geraldinha (Geralda Magela da Fonseca) revela porque os jovens não puderam continuar na luta pela terra no Acampamento Dom Luciano.

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“Muitos jovens não puderam continuar conosco aqui, porque aqui na fazenda Manga do Gustavo [lugar do Acampamento Dom Luciano Mendes] estamos em pouca terra, uma parte é de preservação ambiental e outra parte é um grande lajedo. Não tinha condições de incentivarmos os jovens a continuar aqui. Como ganhar o sustento do dia a dia? As ameaças e as pressões também dificultaram a permanência dos jovens entre nós aqui no acampamento. Em oito anos de acampamento, vários filhos nasceram também. Se os filhos tivessem sido criados em cima da terra, teriam mais incentivo para continuar, mas, se nasceram na periferia da cidade, fica mais difícil abraçar e perseverar na luta pela terra”, disse.

A pedagogia de emancipação humana na luta pela terra passa pela superação do medo e por criar condições subjetivas para se perseverar na luta coletiva por direitos. Quanta sabedoria há em quem está militando na luta pela terra. É preciso saber ouvir atentamente para compreender, na linguagem do outro, o conhecimento e as convicções mais profundas que os guiam e os sustentam na luta coletiva pela terra. Um dos problemas de quem adquire poder econômico, político e intelectual é que, muitas vezes, perde a capacidade de ouvir atentamente as pessoas. Pensa que já sabe tudo e só precisa ensinar. Ledo engano.

Resgatar e compreender a história do território pelo qual se luta a partir do campesinato expropriado é instrumento imprescindível para viabilizar e fortalecer a luta pela terra como pedagogia de emancipação humana. No caso da luta pela terra no município de Salto da Divisa, milhares de famílias foram expulsas do campo, muitas delas sob ameaças de morte. Muitas casas foram derrubadas por jagunços e/ou por tratores a mando de fazendeiros coroneis da região.

Daniela Rodrigues Oliveira, quilombola da Comunidade Quilombola Braço Forte de Salto da Divisa, nos disse: “Antônia, minha avó, morava em uma fazenda há mais de 50 anos e foi expulsa sem direito a nada e ainda com ameaça de morte. Ela não tinha consciência dos direitos dela. Os coronéis davam uma ordem e se obedecia ou era expulso ou morto”.

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Uma profunda convicção de fé no Deus da vida – não em qualquer deus – anima a luta pela terra sob o protagonismo de muitos militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a maioria dos camponeses sem-terra que se torna Sem Terra. Isso nos é afirmado em vários depoimentos, nas celebrações e nos gritos de luta. O camponês Ozorino Pires, 71 anos, aposentado, Sem Terra do Acampamento Dom Luciano Mendes, ratifica isso.

“Nasci em Jordânia (MG), aqui perto, mas fui criado no município de Salto da Divisa. Os fazendeiros dessa região acabaram com minhas forças. Trabalhei muito para eles, mas eles não conhecem a gente. Gostaram muito do meu suor. Eles só conhecem a gente na hora de política. A Escritura diz que a terra foi criada por Deus sem cerca e sem porteira para todo mundo viver dela. Somos filhos da terra e filhos de Deus. Por isso, estou aqui junto com os companheiros e com a irmã Geraldinha na luta por um pedacinho de terra para a gente viver em paz até a hora de a gente ir para o cemitério. Estou lutando por essa herança”, relata.

É sempre animador e inspirador o necessário engajamento da juventude nas lutas sociais necessárias. Mais do que nunca, é fundamental que um número maior de jovens reconheça a importância do seu protagonismo nas lutas por direitos, atentos às experiências e à sabedoria dos mais velhos. E que tenham ousadia, conhecimento libertador e fé no Deus da vida para construir libertação e poder popular.

Justiça, já!

Em tempo, o desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira indica que foram mortos em emboscada no Vale do Javari, na Amazônia. Se eles não forem resgatados vivos, entrarão para a história como Chico Mendes e Irmã Dorothy, que foram martirizados na Amazônia por defenderem os Povos Indígenas e a Amazônia.

Se eles não forem resgatados vivos, jagunços e mandantes precisam ser presos, julgados e condenados com rigor, já! Justiça, já! Indígenas do Vale do Javari protestam contra Bolsonaro e em defesa de Bruno Pereira, Dom Phillips e Maciel. "Bruno lutou pelo Vale do Javari. Agora o Vale do Javari luta por Bruno, Dom e Maxciel", "querem acabar com nossos pirarucus e tracajás, e Bruno nos defendia", "somos guerreiros e vamos continuar lutando para defender nosso território", protestam.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Larissa Costa