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Vítimias de estupro podem se tornar também vítimas do Estado

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O momento exige luta e defesa dos direitos das mulheres - Levante Popular da Juventude - Arquivo
A descriminalização e a legalização do aborto é uma questão de saúde pública

Nesta terça-feira (28) será discutido em Brasília o manual do Ministério da Saúde que incentiva a investigação de vítimas de estupro que tentam acessar o serviço de aborto legal no país. 

No Brasil o aborto é legalizado em três situações: 1) Se a gravidez é decorrente de estupro; 2) Se a gravidez representar risco de vida à mulher; 3) Se for caso de anencefalia fetal (não formação do cérebro do feto).

Na semana passada, o Brasil se chocou com o caso da menina de 11 anos de idade que estava sendo impedida por uma juíza ao tentar acessar esse direito legal (caso de estupro e risco de vida à mulher), a juíza teria dito para “aguentar mais um pouquinho”. A menina estava sendo coagida a manter a gestação com todos os riscos à sua saúde para posteriormente colocar o bebê para adoção, conforme induzia a juíza. 

Na última semana outro caso que causou comoção foi a da atriz Klara Castanho, que teve sua intimidade violada por páginas de fofocas, recaindo sobre ela uma enxurrada de julgamentos por ter engravidado e entregue o bebê de forma legal para a adoção. A atriz teve que explicar que toda a situação era decorrente de um estupro, e mesmo amparada pela lei passou por diversas violências médicas, desde quando descobriu a gestação até quando teve sua história divulgada de forma antiética por profissionais de saúde e por comunicadores nas redes sociais. 

Esses dois casos evidenciam que o que importa não é o feto, nem sequer a vida da mulher, o que importa é punir física e psicologicamente as mulheres que, por qualquer razão que seja, escolheram por não serem mães. Justificar e dar explicações sobre sua escolha não deveria ser uma condição para conseguir acessar esse direito ou não serem apedrejadas pela opinião pública. O que vemos é uma demonstração de punição coletiva das mulheres. 

Esses casos mostra a necessidade urgente de debatermos a legalização do aborto como um direito, sobretudo que perpassa pelo respeito à escolha da mulher. Quem decide por interromper a gravidez tem que ter garantias fundamentais nos serviços públicos, tais como atendimento médico humanizado, integração a outros serviços de atenção à saúde e inclusão social. A descriminalização e a legalização do aborto é uma questão de saúde pública.

No entanto, o que vemos, é um oportunismo das forças conservadoras e reacionárias ao tentarem retroceder o que as brasileiras já têm como direito conquistado. O novo manual do Ministério Público que será debatido em audiência prevê a investigação criminal de meninas e mulheres violentadas que acessam o serviço de aborto legal, ou seja, para acessar esse direito as mulheres serão questionadas sobre a veracidade dos fatos, submetidas a uma nova violência. 

O governo Bolsonaro está sistematicamente atacando os serviços de saúde com a intenção de impedir o acesso das mulheres ao aborto seguro, mesmo em casos garantidos pela lei, como a Portaria nº 2.282/2020 do Ministério da Saúde, que destrói a perspectiva humanitária dos serviços de atenção às vítimas de violência sexual.

O momento exige luta. Precisamos evidenciar o caráter misógino dos ataques aos direitos das mulheres e lutarmos para que o país avance em um projeto político que de fato faça nascer um Brasil para as brasileiras.


Fernanda Maria Caldeira é militante do Levante Popular da Juventude. Socióloga, feminista e formadora nas redes sociais.

Edição: Lucas Botelho