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Torcida única: a verdadeira morte do futebol

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Mario Celso Petraglia afirmou que existe uma movimentação junto ao MPF para que o modelo de torcida única nos estádios seja adotado em todo o país. - Gustavo Oliveira / athletico.com.br
Instituir a torcida única em todo o país nada mais é do que decretar a morte do nosso futebol

*Luiz Ferreira

Quem acompanha o espaço aqui no Brasil de Fato sabe que uma das bandeiras levantadas por este colunista é o combate à crescente “gourmetização” do nosso futebol. Isso, no entanto, não é um posicionamento contrário às melhorias científicas do esporte e da sua prática em si. O objetivo é apontar as inúmeras tentativas de se excluir os menos favorecidos dos estádios.

Dito isto, precisamos falar sobre as revelações trazidas pelo presidente do Athletico Paranaense, Mario Celso Petraglia. Na terça-feira (27), durante a coletiva de apresentação do volante Fernandinho, o dirigente afirmou que existe uma movimentação nos bastidores do futebol (e em parceria com o Ministério Público Federal) para que o modelo de torcida única nos estádios seja adotado em todo o país.

"Nós brigamos pela torcida única. Não tem mais condições, é um custo absurdo para a sociedade e para os clubes. Infelizmente, me parece que em função dos últimos acontecimentos, com a violência pior, o Ministério Público Federal está tentando um movimento para que tenhamos torcida única no Brasil todo. (…) Não há controle dentro das torcidas de todas as pessoas que fazem parte dela. São centenas de pessoas. Como é que vai se controlar o comportamento de todas? (…) Como que a gente separa esse joio do trigo? (…) Se pune meia dúzia, aparecem mais seiscentos.", disse Mario Celso Petraglia sem dar maiores detalhes sobre essa mobilização.

Mario Celso Petraglia também revelou que deseja que a principal torcida organizada do Athletico Paranaense (a Fanáticos) não viaje mais para os jogos do clube em outras cidades em troca da liberação de adereços na Arena da Baixada (estádio do Furacão).

"Se eles prometerem não viajar mais, não fazer essas excursões malucas… Nossa imagem fica realmente maculada. Vamos propor: a gente libera tudo aqui, com bateria, faixas, caveiras, adereços todos, com a condição de que eles não façam mais excursões para fora de Curitiba. O Atletiba (clássico contra o Coritiba), já estamos conversando, será de torcida única no ano que vem. Tem uma conversa com a Federação Paranaense muito avançada neste sentido, mas nada aprovado, nada sacramentado" - afirmou o presidente do Athletico Paranaense.

De fato, a violência nos estádios e fora deles é um problema de décadas que parece sem solução.

Ver um jogo no estádio já é complicado por conta de uma série de fatores (preço dos ingressos, oferta de transporte e por aí vai). E o medo de ser surpreendido por uma briga ainda é bem grande.

Por outro lado, instituir a torcida única em todo o país nada mais é do que decretar a morte do nosso futebol. E não se enganem: acreditar que Petraglia, outros dirigentes e o poder público estão preocupados com a nossa segurança é o mesmo que defender que o fim dos direitos trabalhistas vai aumentar a oferta de emprego no Brasil.

Basta abrir as redes sociais para ver que vários torcedores que acompanham seus times fora das suas cidades reclamam da maneira como certos clubes tratam a presença do público visitante nos estádios. Daí, é só conectar os acontecimentos. Baixa oferta de ingressos, problemas no acesso às arenas, falta de escolta policial e um péssimo tratamento dos anfitriões.

Os acontecimentos das últimas semanas (brigas no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e em várias outras cidades) parecem orquestrados. Basta ver o noticiário. Está muito claro que o objetivo é criar o cenário perfeito para se acabar com a torcida visitante e “aliviar” as autoridades das suas obrigações.

Como se pode notar, a morte do futebol virá acompanhada da falência completa das nossas instituições e da definitiva exclusão dos torcedores menos favorecidos dos estádios. E tudo isso aproveitando o clubismo burro e a submissão a determinados dirigentes que existem na maioria das nossas torcidas que se dizem organizadas.

A intenção nunca foi acabar com a violência nos estádios.

Se assim o fosse, todos os envolvidos nas brigas das últimas semanas estariam respondendo pelos seus crimes e proibidos de acompanhar os jogos de dentro das nossas arenas. Já existe uma série de tecnologias que permite a identificação de pessoas que entram e saem de qualquer lugar. Por que não são usadas para se coibir a violência?

E tudo isso vem num momento em que o Athletico Paranaense faz ótima campanha na temporada. O time vem bem no Brasileirão sob o comando de Luiz Felipe Scolari, técnico do pentacampeonato mundial em 2022. É difícil entender o que se passa na cabeça de Mario Celso Petraglia quando o assunto é a relação entre o clube e sua torcida. Certo é que essa não foi a primeira e nem será a última vez em que veremos propostas como essas surgindo de quem deveria ter a obrigação de zelar pelo bom andamento do espetáculo.

Caso essa ideia vá para a frente, podemos decretar a morte do futebol e o seu “renascimento” como linha de show. E você, caro amigo que também vende o almoço pra pagar a janta, só poderá ver os jogos do seu time pela tela da TV.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse