A Operação Rejeito, deflagrada pela Polícia Federal nesta quarta-feira (17), revelou a existência de uma organização criminosa bilionária dedicada a fraudar licenciamentos ambientais, lavar dinheiro e corromper servidores públicos para liberar projetos minerários em Minas Gerais. Com potencial econômico estimado em R$ 18 bilhões, o esquema envolvia políticos, empresários e autoridades ambientais de alto escalão.
Até o momento, 22 pessoas foram presas preventivamente, incluindo nomes da mineração e do poder público. Entre os detidos estão Alan Cavalcante do Nascimento, proprietário da Fleurs Global Mineração – a terceira empresa mais autuada por infrações ambientais no estado entre 2018 e 2023 -, o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages e Helder Adriano de Freitas, apontado como diretor operacional da quadrilha. O diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Caio Mário Seabra, também foi preso.
A Fleurs, já denunciada em reportagens do Brasil de Fato MG pela atuação predatória na Serra do Curral, aparece no centro do esquema. Documentos apreendidos pela PF mostram atas de reuniões e grupos de WhatsApp onde Cavalcante, Lages e Freitas tomavam decisões conjuntas sobre novos projetos, intermediados por uma rede de mais de 40 empresas de fachada.
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Apoio político
O caso ganhou repercussão nacional não apenas pela dimensão financeira, mas também pelas ligações políticas. Um dos presos, tido como lobista político, é o geógrafo Gilberto Henrique Horta de Carvalho, foi candidato ao Conselho Federal de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) em 2023, com apoio de Jair Bolsonaro, do deputado federal Nikolas Ferreira (PL) e de outros nomes do campo conservador. Carvalho também trabalhou como assessor do vereador belo-horizontino Uner Augusto (PL) e como coordenador da campanha de Bruno Engler (PL).
Outro investigado é o delegado Rodrigo de Melo Teixeira, ex-superintendente da PF em Minas e responsável, em 2018, pelo inquérito da facada contra Bolsonaro. Ele é acusado de ser sócio oculto de empresas ligadas à organização criminosa.
A proximidade entre políticos e investigados reforçou as cobranças por apuração legislativa. Em Brasília, a deputada federal por Minas Gerais Duda Salabert (PDT) protocolou pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o esquema. Já na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputadas da oposição como Lohanna França (PV), Beatriz Cerqueira (PT) e Bella Gonçalves (Psol) apresentaram requerimento semelhante.
Corrupção nos órgãos ambientais
Entre os presos estão também autoridades ligadas à fiscalização ambiental, como Rodrigo Gonçalves Franco, ex-presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), exonerado pelo governador Romeu Zema (Novo) dias antes da operação.
Outro alvo foi Arthur Ferreira Rezende Delfim, diretor de regularização da Feam, detido um dia depois de defender em audiência na ALMG a flexibilização das normas de licenciamento ambiental aprovadas pelo governo.
A investigação identificou ainda Fernando Benício, conselheiro do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e dirigente da ONG Zeladoria do Planeta.
“[Ele] pretensamente representa a sociedade civil no conselho, mas que na verdade vota tudo com as mineradoras”, alertou a deputada Bella Gonçalves, por meio das redes sociais.
Serra do Curral e destruição em Ouro Preto
As denúncias também alcançam casos emblemáticos da destruição ambiental em Minas. A Serra do Curral, em Belo Horizonte, já vinha sendo alvo de disputa judicial e mobilização popular contra a exploração de minério. O líder do esquema, Alan Cavalcante, foi identificado como principal mandatário das operações ilegais na região.
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Outro episódio revelado é o soterramento de uma gruta na Serra do Botafogo, em Ouro Preto, causado por obras da empresa Patrimônio Mineração, antiga LC Participações e Consultoria Ltda, ligada a João Alberto Lages e Helder Adriano. A atividade ocorreu sem a aprovação do Plano de Aproveitamento Econômico pela ANM e sem manifestação do Iphan.
O caso também foi alvo de reportagens do Brasil de Fato MG e mobilizou pesquisadores e moradores contra o modelo de licenciamento acelerado em vigor no estado.
Modelo mineral em xeque
Para o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), a Operação Rejeito confirma o que há anos é denunciado. Em nota, a organização afirmou que o esquema é resultado de um “modelo mineral que concentra lucros, socializa prejuízos e sacrifica comunidades e ecossistemas”.
“O problema não está em um empresário corrupto ou em uma empresa isolada. É o próprio modelo mineral que permite a destruição, a corrupção e a morte”, diz o texto.
Outro lado
O Brasil de Fato MG entrou em contato com a Fleurs Global, governo de Minas,
com o deputado federal Nikolas Ferreira (PL), com a Polícia Federal, com o vereador Uner Augusto (PL) e com a LC Participações e aguarda respostas. A reportagem seguirá tentando contato com os demais citados neste texto para atualização.
Em resposta ao questionamento, a ANM afirmou que tomou conhecimento, pela imprensa, de operação da Polícia Federal realizada nesta quarta-feira (17).
“Até o momento, não houve comunicação oficial à Agência sobre eventuais medidas envolvendo servidores ou dirigentes. A ANM reitera seu compromisso com a legalidade, a transparência e a colaboração com as autoridades, sempre que formalmente demandada, observando o devido processo legal e a continuidade dos serviços regulatórios”, respondeu.