Em meio a investimentos de cifras bilionárias no Pará, estado sede da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), jovens de comunidades quilombolas estão sem aulas há pelo menos sete meses por falta de estrutura para manter escolas em funcionamento.
De 69 profissionais classificados para atuar em territórios quilombolas no município de Santarém, até o momento, somente nove foram convocados, gerando prejuízos aos estudantes dessa faixa etária, às vésperas do vestibular. A situação em Óbidos, também na zona oeste do estado, também é de precarização.
“Tem alunos nossos com o terceiro ano do ensino médio para ser concluído e estamos às vésperas de um processo seletivo especial quilombola, onde eles passam pela prova do vestibular exclusivo aos quilombolas, para o acesso à universidade, mas sem a conclusão desse ciclo eles não conseguem acessar essa política”, lamenta Douglas Sena, quilombola e assessor da Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu).
“Nos foi prometido que até o final de julho a início de agosto seriam feitas as contratações. Já fizemos outras manifestações no Ministério Público Estadual pedindo providências e agora estamos na condição em que o Ministério Público Federal [MPF] precisou fazer essa incidência em relação à omissão que, com certeza é uma forma de discriminação ética e um caso de racismo institucional”, explica.
Na segunda-feira (16), o Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Governo do Estado do Pará e à Secretaria de Estado da Educação (Seduc) que restabeleçam, de forma imediata, as aulas do ensino médio em comunidades quilombolas.
A situação chegou ao limite neste ano, mas há anos as comunidades reivindicam melhorias na educação do estado, não apenas em Santarém, mas uma série de outras comunidades, resultando na divulgação de um Processo Seletivo Simplificado com categoria específica para atender quilombolas, em janeiro de 2025, que cumpriria ao “atendimento de necessidade temporária e excepcional”.

Esse é o caso da estudante Geovana Costa, estudante do terceiro ano do ensino médio no Quilombo de Murumuru, que questiona se esse é um caso de racismo contra os povos quilombolas.
“Não temos certeza se é por preconceito, racismo, por causa da nossa origem, porque só os quilombolas estão sem aula. Por que tem aulas para os outros estudantes e somente nós, quilombolas, estamos sem aula? Será que vamos recuperar essa perda? Será que vamos ter que estudar tudo novamente no próximo ano? É um grande atraso e queremos resposta”, declara Geovana.
Com mais de sete meses do ano letivo perdido, Geovana já lamenta a impossibilidade de concorrer a uma vaga na universidade e a certeza de mais um ano no ensino médio pela frente.
“Enquanto isso ficamos aqui esperando e não temos respostas. Essa ausência de aula afeta o sonho de muitos de nós, que pensamos em iniciar uma faculdade, de entrar no mercado de trabalho, porque ano que vem a gente já poderia estar na faculdade, mas pelo visto vamos ter que estudar tudo novamente por negligência do estado”, critica.

Ocupação da Secretaria Estadual de Educação (Seduc)
Em janeiro de 2025, professores, indígenas e quilombolas realizaram uma ocupação histórica no prédio da Seduc, e garantiram a revogação da Lei nº 10.820, aprovada em dezembro de 2024 pelo governador Hélder Barbalho (MDB). Entre outras alterações, a medida substituiria as aulas presenciais pelo ensino online em áreas distantes de centros urbanos, a exemplo de comunidades do campo, tradicionais e quilombolas e terras indígenas, que sofrem com o fornecimento irregular ou ausência de energia e internet.
Na recomendação do MPF emitida na segunda-feira, o procurador da República Vítor Vieira Alves destaca que a interrupção das atividades, “além de configurar uma grave falha na prestação do serviço público de educação, representa também uma forma de discriminação étnica e um potencial caso de racismo institucional por parte do estado do Pará, por afetar de forma especial um grupo étnico-social historicamente vulnerabilizado, aprofundado o fosso social entre quilombolas e não-quilombolas”.
No documento, o MPF indica que o Governo do Estado e a Seduc devem adotar três medidas principais:
• restabelecimento imediato das aulas, incluindo a possibilidade de contratação direta e emergencial de professores quilombolas para garantir o retorno às salas de aula;
• elaboração, em 30 dias, de um plano escolar-pedagógico para compensar o semestre letivo perdido, garantindo que os estudantes não sejam ainda mais prejudicados;
• garantia de participação efetiva das comunidades quilombolas na elaboração e na aprovação do plano de reposição de aulas.
A reportagem do Brasil de Fato procurou o Governo do Estado do Pará por meio da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), mas até o momento desta publicação não recebemos informações sobre a medidas a serem adotadas. O espaço segue aberto.