A história da adolescência no Brasil mostra que nem sempre existiu a concepção do que é ser adolescente, sobretudo dos não brancos, que por um longo período não eram reconhecidos como sujeitos de direitos. No decorrer dos séculos, medidas voltadas a esse público foram marcadas pelo controle social, institucionalização e violência, sem proteção contra maus-tratos, exploração, abandono, fome ou falta de acesso à escola.
O Código de Menores de 1927 reforçou essa lógica, tratando adolescentes pobres como “em situação irregular”, enquanto o Estado ignorava as causas estruturais das desigualdades. Apenas com a Constituição de 1988 e, em seguida, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), abriu-se caminho para reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. No entanto, 35 anos depois, o acesso a esses direitos ainda é frágil e desigual.
Dados recentes escancaram essa realidade. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2025), a pornografia infanto-juvenil, a exploração sexual e a violência doméstica atingem sobretudo adolescentes de 14 a 17 anos. Em 2024, 2.103 adolescentes foram mortos por violência intencional, 89,9% meninos e 85,1% negros.
Enquanto o número de mortes violentas caiu na população geral, aumentou entre a população de 12 a 17 anos. E 77,6% dos estupros tinham como vítimas menores de 18 anos, em sua maioria meninas negras.
A saúde mental também é preocupante: um em cada seis adolescentes brasileiros vive com algum transtorno, sendo o grupo etário que mais pratica autolesão e registra crescimento nos índices de suicídio (Unicef). Na educação, 9 milhões de jovens de 14 a 29 anos não concluíram o ensino médio em 2023, principalmente por necessidade de trabalhar. Entre meninas, a gravidez aparece como segunda causa. Além disso, 1,2 milhão de adolescentes entre 14 e 17 anos estavam em situação de trabalho infantil no mesmo ano.
O Parlamento e suas contradições
Ao mesmo tempo que o Parlamento aprovou o PL 2.628/22 para ampliar a proteção digital de crianças e adolescentes, também aprovou, na Comissão de Direitos Humanos do Senado, o PL 1.473/25, que aumenta de três para até 10 anos o tempo de internação socioeducativa.
Esta proposta repete a lógica menorista: responsabilizar meninos pobres e negros pela criminalidade, enquanto lhes nega esporte, lazer, cultura, educação de qualidade e acesso à saúde.
O orçamento federal é sintomático: em 2023, a política de atenção à saúde de adolescentes e jovens teve execução zero; em 2024, apenas R$ 1,7 milhão em restos a pagar. As ações contra violência e trabalho infantil também não tiveram execução nos dois anos. E não há recursos direcionados especificamente para esse grupo nas pastas de cultura, esporte e lazer.
A armadilha da punição
Defender internação mais longa ignora que ela deve ser medida excepcional e breve, voltada à responsabilização conjunta de adolescente, família e Estado. Ampliar o tempo de reclusão, num sistema marcado pela presença de facções prisionais que cooptam adolescentes, apenas reforça vulnerabilidades e os aproxima ainda mais do crime organizado.
A “adultização” de meninos e meninas não começou com a internet: ela atravessa séculos de desigualdades e violências. A insistência em respostas punitivas e populistas perpetua essa história, enquanto se negligência políticas públicas de proteção.
Se o Estado, a família e a sociedade não garantem direitos, restam menos escolhas e mais riscos. E quando a resposta à exclusão é trancar adolescentes por mais tempo, o que se pratica é uma nova forma de violência, mascarada de justiça.
*Thallita de Oliveira é assessora Política do Inesc, mestre em Políticas Públicas para a Infância e Juventude pela Universidade de Brasília (UnB).
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato – DF.