Coluna

Bhopal, a tragédia que ainda está acontecendo

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Restos mortais de pessoas atingidas pelo desastre de Bhopal
Restos mortais de pessoas atingidas pelo desastre de Bhopal - Reprodução/ Bhopal.net
O que ocorreu em Bhopal não pode ser considerado um acidente

3 de dezembro de 1984. Um vento refrescante da meia-noite soprava na cidade de Bhopal, na região central da Índia. Da torre mais alta da fábrica de agrotóxicos da empresa estadunidense Union Carbide, sai uma nuvem fina de vapor. Levada pelo vento, a fumaça se tornou uma neblina espessa sobre toda a cidade em pouco tempo.

Naquele momento apocalíptico, ninguém sabia o que estava acontecendo. As pessoas simplesmente começaram a morrer das formas mais horripilantes. Alguns vomitavam de forma incontrolável, entravam em convulsão e caiam mortas. Outras foram esmagadas pela correria nas ruas estreitas, onde se via apenas uma luz marrom das lâmpadas em meio à neblina.

“Era como se alguém tivesse enchido nossos corpos com pimenta malagueta”, disse uma sobrevivente.

No total, cerca de 3.000 pessoas morreram na hora. Nas semanas e meses subsequentes, calcula-se a morte de 15.000 pessoas. Mais de 300.000 pessoas foram intoxicadas, e atualmente de 2 a 3 pessoas morrem por semana ainda em decorrência do desastre de Bhopal.

O que ocorreu em Bhopal não pode ser considerado um acidente. Nos anos anteriores, pequenos vazamentos já haviam causado intoxicação de trabalhadores. Uma inspeção realizada em 1982 revelou 61 ameaças, sendo 11 diretamente na unidade de produção do Isocianato de metila, princípio ativo altamente tóxico, da classe dos carbamatos.

Ao invés de agir para reparar os problemas, a Union Carbide fez melhorias em outra fábrica, localizada nos EUA.

Em 1983, uma operação de corte de custos economizou U$1,25 milhão para a empresa. O número de trabalhadores na fábrica foi reduzido a menos da metade. Na sala de controle, apenas um trabalhador monitorava mais de 70 painéis, que poderiam indicar o vazamento previamente. O período de treinamento foi reduzido de 6 meses para 15 dias.

Deste modo, a tragédia – e não acidente – de Bhopal estava perfeitamente planejada. E desde então, celebramos em 3 de dezembro o Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos.

No Brasil, por sorte nunca tivemos um desastre como o de Bhopal. Mas isso não significa que nossa situação seja boa.

O Ministério da Saúde registrou quase 40.000 intoxicações por agrotóxicos entre 2007 e 2014. Isso sem contar os casos em que os agrotóxicos provocam doenças crônicas, como o câncer, que não são computadas, e uma taxa altíssima de intoxicações agudas que não são registradas.

Bhopal também é aqui

Os agrotóxicos no Brasil provocam muitos problemas. Intoxicam os trabalhadores das fábricas, intoxicam os agricultores que aplicam os venenos, e sobretudo, intoxicam a todos nós, que colocamos estes alimentos na mesa diariamente.

Triste é saber que tudo isso poderia ser evitado. O uso de agrotóxicos no Brasil tem um motivo bem claro: produzir soja, milho, algodão, eucalipto e cana para exportação. Para sustentar o lucro gerado por estes monocultivos, precisa sim, e de muito agrotóxico. Lucram os ruralistas, e lucram as empresas, inclusive a Dow Chemical, que comprou a Union Carbide em 2000 e não presta nenhuma assistência às vítimas.

Mas para produzir comida, aí não precisa de agrotóxico. Basta organizar um espaço de produção bem diversificado, consorciar culturas, manter o solo vivo com adubos orgânicos e cuidar da terra com carinho. Não é fácil, assim como implementar um monocultivo de soja também não é. Milhares de camponeses por todo o Brasil já demonstram que isso é possível.

Basta dar terra para quem trabalha na terra, e dar condições – educação, saúde, agroindústria – para quem vive no campo poder produzir alimentos saudáveis. E com os incentivos certos, esse alimento pode chegar na cidade a um preço que toda a população pode comprar.

Esse é o projeto da agroecologia. E neste dia 3 de dezembro, afirmarmos em alto em bom som: é preciso investir na agroecologia para que não haja mais nenhum Bhopal no mundo!

Por Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Edição: José Eduardo Bernardes

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