Dissidência

Comissão da Câmara vai pedir ao governo fim da urgência de PL que regulamenta ofício de motoristas de aplicativos

Proposta enfrenta resistência entre trabalhadores da categoria

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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PLP 12 é polêmico entre motoristas de aplicativo - Luiza Castro/Sul21

A Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados irá solicitar ao governo Lula a retirada da urgência constitucional da proposta que regulamenta a profissão de motorista de aplicativo. A decisão foi tomada em audiência pública ocorrida no colegiado nesta quinta (21), após pedido manifestado por trabalhadores da categoria. Segundo informou ao Brasil de Fato o presidente da CLP, Glauber Braga (PSOL-RJ), a solicitação deverá ser formalmente encaminhada dentro das próximas 48 horas.

A discussão gira em torno do Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/24, de autoria do governo Lula, que regulamenta o ofício dos motoristas que atuam especificamente no transporte de passageiro. A tarja de “urgência constitucional” é um mecanismo que obriga o Legislativo a apreciar o texto dentro de 45 dias. Faltam 29 dias para o fim do prazo, mas o presidente da CLP entende que o debate ainda não está maduro o suficiente para ser feito dentro desse período.

Uma enquete virtual aberta pelo portal da Câmara no início deste mês a respeito do projeto identificou que, até o momento, 95% das pessoas que opinaram sobre o assunto no site dizem “discordar totalmente” do PLP do governo. Foram computados cerca de 59.300 votos nessa linha. Outros 3%, o equivalente a 2.076 votantes, disseram “discordar na maior parte”, enquanto 2% – 561 votos – afirmaram “concordar totalmente” com o texto.

Já os números dos que manifestaram “concordar na maior parte” ou que responderam “estou indeciso” correspondem, respectivamente, a 196 e 79 votos, o que ficou percentualmente abaixo de 1%, segundo o balanço parcial do portal.

“O mínimo que se pretende é que essa matéria tramite nas comissões e que tenha como principal objetivo ouvir os trabalhadores que são diretamente afetados por essa legislação. Os trabalhadores não estão satisfeitos com o texto”, afirma Braga, ao mencionar o pedido de retirada de urgência.

A Câmara tem, nos últimos tempos, enxugado a tramitação de diferentes propostas de lei. Esse expediente foi utilizado pela Casa principalmente a partir da pandemia: com a institucionalização das votações semipresenciais e a necessidade de avaliação rápida de matérias relacionadas à crise sanitária gerada pela covid naquele momento, o rito mais curto acabou sendo útil ao contexto, mas também favoreceu em diferentes momentos a emergência e a aprovação de textos avessos ao interesse público, especialmente medidas criticadas pela sociedade civil do campo progressista.   

O modelo conta com a oposição de diferentes parlamentares, que apontam ofensa ao processo legislativo pelo fato de que, na prática, esse fluxo de trabalho ignora a atuação das comissões, que se consolidaram historicamente no Congresso como espaços de participação civil e debates mais aprofundados sobre as propostas de lei. Quando as matérias vão diretamente a plenário, a tendência geral é de pouco diálogo com instâncias civis porque essa dinâmica fica, em geral, restrita a conversas que se dão entre os gabinetes dos parlamentares e as lideranças populares, sem, portanto, os espaços de audiência pública e detalhamento dos temas.  

Além disso, o rito mais econômico amplia a concentração de poderes nas mãos do presidente da Casa, a quem cabe a prerrogativa regimental de bater o martelo sobre a data em que cada texto será colocado em votação no plenário.

No caso de um projeto de urgência constitucional, quando a proposta não é avaliada rapidamente, ela passa a trancar a pauta da Casa, o que significa que a matéria tem prioridade diante de todas as outras para que se cumpra o prazo-limite de 45 dias.  

“O procedente aqui na Câmara mostra que, quando o contexto é esse, a matéria, na prática, nunca vai pras comissões e sempre é jogada direto no plenário”, lembra Braga. O deputado aponta que ainda há “muitas insatisfações” dos trabalhadores com o PLP que trata dos aplicativos.

“A principal delas é que eles não querem receber [a remuneração] por hora, e sim por quilometragem, mas aí veio a Uber exercendo o seu poder por uma posição que seja mais favorável para ela em detrimento dos trabalhadores. Então, nós temos que, em diálogo com o governo, solicitar a retirada da urgência, priorizar o diálogo e o atendimento aos direitos dos trabalhadores e tensionar os interesses da Uber, que não podem ser os prioritários numa discussão como essa”, diz Braga;

Por regra, a urgência constitucional só pode ser retirada pelo próprio Poder Executivo. Do ponto de vista do conteúdo, o PLP 12/24 propõe jornada de oito horas para os motoristas, permitindo que se chegue ao limite de 12 horas ao dia por plataforma, além de R$ 32,90 de pagamento para cada hora trabalhada e sem contabilizar o tempo de espera, o que, segundo os cálculos do PLP, apontaria para uma renda mínima de R$ 1.412, valor atual do salário mínimo. Do ponto de vista da Previdência, o texto enquadra a categoria como contribuinte individual, com previsão de uma contribuição sobre remuneração de 7,5% para o trabalhador e 20% para o empregador.

Edição: Matheus Alves de Almeida