Análise

Em visita de Macron, acordo bilionário para sustentabilidade na Amazônia é principal vitória da diplomacia brasileira

Cooperação entre a Agência Francesa de Desenvolvimento e os bancos públicos brasileiros prevê  R$ 5,4 bilhões em 4 anos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Lula e Macron encontraram o cacique Raoni Metuktire em Belém - Ricardo Stuckert/PR

O acordo de cooperação para a Amazônia anunciado pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da França, Emmanuel Macron, durante visita a Belém (PA), assinado nesta quinta-feira (28) no Palácio do Planalto em Brasília (DF) foi a principal vitória das diplomacias brasileira e francesa, durante sua visita, na opinião de especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato.

"O presidente Macron pode constatar pessoalmente que o nosso compromisso com o meio ambiente não é retórico. No último ano, reduzimos o desmatamento ilegal na Amazônia em 50% e temos o compromisso de zerá-lo até 2030", discursou Lula no Palácio do Planalto nesta sexta-feira."

O presidente brasileiro apontou como símbolos de renovação dessa parceria entre os países a colaboração em novos campos, com o financiamento da transição ecológica e a bioeconomia -  que alia biologia e recursos naturais com tecnologia para criar produtos e serviços sustentáveis -, previstos no acordo. 

Já o presidente francês destacou em sua fala a inclusão da cooperação da Guiana Francesa no acordo, acompanhado de uma comitiva de representantes desse território presentes na cerimônia.

"Temos consciência clara que  França é o único país da Europa que tem uma fronteira que é a mais longa pra nós, com o Brasil, que é a nossa presença na Amazônia. Com os textos que assinamos, intensificamos os intercâmbios dos dois lados do Oiapoque, facilitamos as trocas, aumentamos a nossa luta comum contra todo tipo de crime", disse Macron.

Bilhões

A cooperação entre a Agência Francesa de Desenvolvimento e os bancos públicos brasileiros prevê até 1 bilhão de euros (R$ 5,4 bilhões) em investimentos públicos e privados em bioeconomia na Amazônia nos próximos quatro anos, voltado tanto para a floresta em território brasileiro como para a parte que está na Guiana Francesa, território francês.

Com pouca produção, a Guiana Francesa tem sido um mercado consumidor de produtos europeus e, a partir do acordo, pode ser tornar um mercado para os produtos da bioeconomia produzidos na Amazônia brasileira.

Para a  cientista política e analista internacional, Ana Prestes, secretária de Relações Internacionais do PCdoB, os investimentos na Amazônia anunciados pela França representam a principal vitória da diplomacia brasileira durante a visita de Macron. "Destravar os investimentos para a Amazônia é muito importante para o Brasil e o investimento francês pode abrir outras portas, outros movimentos que o Brasil pode fazer."

O acordo, ela destaca, representa também vitória diplomática para a França, com a inclusão da Guiana Francesa no acordo de cooperação, passo importante para o país que quer ocupar a posição de potência amazônica no contexto europeu. "Com certeza isso é uma vitória da diplomacia do Macron conseguir isso no Brasil, você ter uma chancela do Brasil é vital pra você conseguir se legitimar nesse jogo, mas eu acho bastante difícil a França ou a Guiana Francesa ser admitida na OTCA."

A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) é uma organização internacional, constituída por oito países-membros da América do Sul cujo território compreende o bioma amazônico, sendo o único bloco socioambiental de países dedicado à Amazônia.

"O que a gente busca como cooperantes também é isso, é ver como a Guiana, que é um território europeu e tem vários tipos de legislações, como por exemplo, para autorizar desmatamento de maneira coerente, uma série de legislações que podem ser úteis também", aponta René Poccard Chapuis, pesquisador geógrafo do Cirad - centro de pesquisa francês para a agricultura que mantém acordos de cooperação com a Embrapa no Brasil.

Para o pesquisador francês, a conexão entre a Guiana Francesa e a Amazônia brasileira é a principal novidade do acordo firmado entre os países. "Houve uma primeira tentativa com o [ex-presidente francês Nicolas] Sarkozy, mas ficou como uma declaração de intenções não concretizada. Agora está, porque tem um caminho traçado para o financiamento das atividades."

Chapuis aponta que a Guiana pode ser um mercado para produtos da bioeconomia no Amapá e avalia que o presidente Lula também apoia o reconhecimento da Guiana como um território amazônico, pela aliança estratégica com a França no setor do Meio Ambiente.

"Ele precisa para pontes com potências convencionais, há convergência de interesse em promover políticas ambientais e na Amazônia. Acho que eles se entendem sobre isso e, para nós, cria um ambiente de trabalho [para a pesquisa] que é favorável."

A última visita de um presidente francês ao Brasil aconteceu em 2016 com a visita de François Hollande. Nessa perspectiva, a agenda de Macron no país marca uma retomada da aproximação entre os dois países, relação desgastada durante a gestão de Jair Bolsonro, especialmente em relação ao tema da Amazônia.  "Acaba sendo um contraste com o governo do Bolsonaro, é muito mais importante pro Lula mostrar esse contraste do que pro Macron", analisa Ana Prestes.

Da perspectiva geopolítica, ela destaca a importância de o Brasil manter interlocução próxima com país membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. "O Brasil defende uma nova governança internacional e, para isso, é importante ter uma relação mais próxima com os franceses, do ponto de vista dos embates que se dão hoje, com Milei na Argentina, é muito importante que o Brasil esteja relacionado com os governos democráticos."

Edição: Rodrigo Durão Coelho