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Mineração e conflito no Alto Sertão da Bahia - Parte 2

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Residência atingida por chuva de pedras provocadas pela construção da FIOL, Curral Velho, Caetité - Coletivo de Comunicação MAM-BA
Instalação de projeto minerário em qualquer região vai imprimir no povo do campo uma nova identidade

* Coletivo de Comunicação - MAM-BA

Parte II: Como a mineração afeta as comunidades

Projeto Pedra de Ferro causa danos socioambientais a dezenas de comunidades tradicionais em três municípios diferentes na Alto Sertão da Bahia.

Anunciado em 2007, o Projeto Pedra de Ferro é um complexo logístico que integra a Mina Pedra de Ferro em Caetité, o trecho I da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) e o Porto Sul em Ilhéus. O objetivo principal deste projeto é criar uma nova rota para a exportação do minério de ferro extraído em Caetité e futuramente usar a mesma rota para a exportação de soja e milho do oeste do estado.

O Relatório de Impacto Ambiental (RIMA, 2009) para a instalação do Complexo Minerário Pedra de Ferro mostra que Guirapá, distrito de Pindaí, e Brejinho das Ametistas, distrito de Caetité, fazem parte da Área de Influência Direta (AID) do projeto. São mencionadas também as comunidades rurais de Cana Brava, Açoita Cavalo, Açoita Cavalo II, Fazenda da Mata, Fazenda da Mata de Baixo, Rio da Faca, Rio da Faca de Cima, Fazenda das Flores, João Barroca e Brejo.

No entanto, o trabalho que vem sendo realizado pelas organizações populares tem mostrado que existem muitas outras comunidades afetadas diretamente com a implementação da mina ou suscetíveis a passivos ambientais – físicos e bióticos –, mas que não foram incluídas no relatório.

Neste texto, buscando compreender a dimensão do conflito que ocorre no campo da mineração no Alto Sertão, traremos um panorama das principais formas de afetação da atividade mineral nestas comunidades e elementos de resistência e de organização destas.

Mudanças na identidade camponesa

O processo de instalação de um projeto minerário em qualquer região vai imprimir no povo do campo uma nova identidade. A identidade camponesa vai dando lugar a uma identidade de trabalhador assalariado rural, ou seja, um trabalhador que vive no campo, mas que não conseguem mais obter sustento de sua própria produção. O termo “proletarização” pode ajudar a inserir as duas modalidades: trabalhadores assalariados rurais e os trabalhadores das obras dos projetos do capital.

Esses trabalhadores irão se dedicar à venda da força de trabalho em fazendas locais, numa lógica de trabalhos temporários em latifúndios. Isso se mostra mais visível na juventude, que abandona a atividade agrícola e se transforma em uma juventude assalariada rural, quando conseguem ser incorporados ao trabalho nos empreendimentos eólicos ou minerários ou quando saem de suas comunidades para centros maiores.

A intensificação da crise social, decorrente do desemprego que assolou a segunda metade da década de 2010, e a ausência de políticas que visassem garantir a permanência desta juventude em seus territórios, desencadearam nesta população um processo de adoecimento psicológico que vem causando mortes e agravando questões associadas ao alcoolismo, como o aumento dos casos de violência doméstica.

O processo de envelhecimento da população camponesa, a falta de políticas de permanência para a juventude do campo e as mudanças provocadas nas formas de produção causam nas comunidades uma profunda alteração em sua sociabilidade. Isto implica em redução de atividades culturais, fragilização do senso coletivo e causa a desorganização comunitária, elemento fundamental para que as empresas vinculadas ao capital mineral e eólico adentrem o território.


Corte de cana para produção de rapadura e cachaça em Taquaril Velho, Licínio de Almeida / Coletivo de Comunicação MAM-BA


Impactos na produção camponesa

O impacto fundamental na produção camponesa parte da expropriação e apropriação privada de milhares de hectares de terras públicas que eram utilizadas de modo tradicional por populações campesinas. Dentre as atividades destacam-se a prática de solta de gado, colheita de pequi e ervas medicinais, coleta de lenha e manutenção de áreas de recargas de águas das nascentes e mananciais).

Houve ao longo de décadas a mobilização por parte das comunidades para reivindicar o reconhecimento enquanto comunidades tradicionais e o reconhecimento e a demarcação do território. No entanto, nenhuma comunidade de Caetité, Pindaí e Licinio de Almeida obtiveram tal êxito.

A redução das áreas produtivas veio acompanhada de uma problemática acerca da questão hídrica. Destaca-se que a região em questão é uma região do semiárido, caracterizada por irregularidades de chuvas e por períodos de escassez. No entanto, as áreas de recargas do cerrado possuem considerável capacidade hídrica, tanto para o abastecimento local como para a produção camponesa.

Entretanto, apenas o projeto da BAMIN visa rebaixar o lençol freático em 300 metros para as atividades de mineração, fator que afetará drasticamente o consumo de água e as condições de produção das populações camponesas de Pindaí, Caetité, Licinio de Almeida e cidades vizinhas como Caculé e Ibiassucê.

Quando consideramos a logística do transporte do minério, a problemática hídrica fica mais visível. São dezenas de caminhões-pipa despejando água diariamente na BA-156 visando diminuir a poeira provocada pelos caminhões.


Caminhões da BAMIN despejam água potável na BA-156 / Coletivo de Comunicação MAM-BA

A poeira do transporte também tem sido uma questão sensível na produção camponesa, especialmente em Licínio de Almeida. O excesso de poeira nas casas e nas lavouras causou um processo de mobilização das comunidades que resultou no fechamento da rodovia e da ferrovia utilizadas pela BAMIN em 2022. Entre as principais pautas estava uma audiência pública para discutir o uso da água pela mineradora na região.

Inviabilizadas as condições de produção, grande parte das famílias das comunidades começa a depender unicamente de aposentadorias e/ou políticas governamentais, pouco exercendo as atividades de produção camponesa.

A juventude, especialmente os homens, passam para uma condição subutilizada, inseridos em um contexto de desemprego estrutural e na expectativa de serem incorporadas pelas obras do projeto eólico ou da própria mineração. Muitos desses jovens não veem outra alternativa que não a de se deslocar para o trabalho temporário nas colheitas de café, cana-de-açúcar e laranja em estados do sul-sudeste.

Ainda que levemos em conta as políticas de incentivo à produção agrícola nos governos Lula e Dilma, as famílias camponesas no Alto Sertão baiano demonstram muitas dificuldades de seguir produzindo devido a fatores como o prolongamento da estiagem entre 2012 e 2017.

Para além da estiagem, destacam-se os impactos dos desmatamentos provocados por fazendeiros locais nas áreas de nascentes e encosta dos rios e os empreendimentos eólico-minerais, cujos impactos reduziram drasticamente as condições de acesso à água e consequentemente as condições de produção.

Algumas famílias camponesas vêm conseguindo desenvolver a produção para a comercialização, inclusive com condições de empregar poucos trabalhadores nas pequenas propriedades para a produção de hortaliças, entretanto com o uso intensivo de agrotóxicos.

Associado a isso, a política de consumo estimulada pelos governos petistas também estimulou e intensificou o consumo de produtos industrializados – incluindo os produtos que as comunidades historicamente produziam, como ovos e carnes – em detrimento da produção de alimentos saudáveis.

Este cenário dificultou a experiência das produções agroecológicas pois, para se inserir na lógica do mercado e garantir a produção diante do desequilíbrio ambiental, o desenvolvimento das lavouras ficou cada vez mais dependente do uso de químicos.

Explosões, poeira, adoecimento e incerteza

O exemplo mais emblemático de comunidades que foram completamente destruídas pela atividade mineral no Alto Sertão é o das comunidades quilombolas de Antas e Palmito. A desapropriação iniciada em 2008 não considerou o direito de permanência no território destas famílias, que passavam por um processo de reconhecimento oficial enquanto quilombolas.

Outro exemplo bastante ilustrativo é o da comunidade de Curral Velho, em Caetité que foi cortada por trecho da FIOL e parte de sua população a abandonou. Os que ficaram tiveram de conviver com o barulho de explosões, os tremores de terra que danificaram as estruturas das casas e a chuva de pedras provocada pelas explosões de dinamite para a realização da obra.

Estas explosões eram diárias, e a população era obrigada a se retirar das suas casas nos momentos de detonação por questões de “segurança”. Muitas casas, caixas d’águas e até a igreja foram atingidas e danificadas com as pedras. Além das pedras, a poeira gerada na explosão também causava problemas respiratórios nos comunitários.

A poeira também aparece como afetação no contexto do transporte do minério de ferro para a Ferrovia Centro-Atlântica. Na ocasião do Acampamento da BA-156 em 2022, as comunidades denunciaram que a poeira aumentava a carga de trabalho domésticos e provocava o aumento de casos de doenças respiratórias. Um ano antes, a população de bairros da área urbana de Licínio de Almeida paralisava a rota da BAMIN com as mesmas denúncias.

Além de comprometer a saúde física destas populações, a atividade mineral prejudica também a saúde psicológica. Nota-se o aumento de casos de ansiedade e depressão em diferentes faixas etárias nas comunidades causando o aumento no consumo de medicações.

Concluímos que a chegada do conjunto de empreendimentos econômicos, que tem como objetivo a transformação da natureza em mercadoria, causa transformações diversas nas relações sociais, culturais, ambientais e na própria perspectiva de vida da população. Isto se agrava quando esta população é impedida de participar do processo de decisão sobre o futuro de seu território e quando os efeitos positivos amplamente propagandeados não a contempla, deixando-lhe somente os impactos.

* Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Gabriela Amorim