Bahia

Quilombo Quingoma

MPF ajuíza ação para impedir construção de grande condomínio no Quilombo de Quingoma

Localizada no município de Lauro de Freitas (BA), comunidade tradicional é uma das mais antigas do Brasil

Salvador |
Empresa iniciou a construção de um bairro planejado em parte do território do Quilombo do Quingoma - Reprodução/MAC

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra a União, o estado da Bahia, o município de Lauro de Freitas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a empresa MAC Empreendimentos para impedir a comercialização e a construção de empreendimento imobiliário em área quilombola.

Segundo o MPF, o local em que se planeja a construção do “Joanes Parque - Bairro Planejado” encontra-se dentro do território tradicional da Comunidade Quilombola de Quingoma, uma das mais antigas do Brasil, tendo registro de atividade desde 1569.

Ainda segundo o MPF, a ação tem como propósito proteger os direitos fundamentais dos quilombolas e evitar prejuízos aos potenciais compradores de lotes e ao próprio Poder Público. Os empreendimentos em curso na área têm causado devastação ambiental do território e a diminuição da vegetação nativa, além de comprometer o modo de ser e viver da comunidade tradicional.


Comunidade do Quingoma divulgou em suas redes sociais imagens da devastação causada pelo início da obra / Reprodução de redes sociais

A Comunidade Quilombola de Quingoma foi certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2013 e o relatório antropológico, etapa necessária para a titulação, foi finalizado em fevereiro de 2017. No entanto, mais de uma década depois, a destinação do território aos quilombolas ainda não foi concluída devido à pendência de delimitação da área e a sua respectiva titulação por parte do Incra.

De acordo com o MPF, isso tem colocado em risco a posse tradicional pelos remanescentes de quilombos, ocupantes tradicionais do território. Ao Brasil de Fato Bahia, o Incra afirmou que o processo do Quingoma se encontra na fase de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). "Esta é a etapa mais complexa até chegar à titulação coletiva das famílias", diz.
 
"O RTID objetiva identificar os limites do território. Para isso, reúne peças técnicas que engloba informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, socioeconômicas, ambientais, históricas, etnográficas e antropológicas, obtidas em campo, com a comunidade e com outras instituições públicas e privadas", explicou o Incra.

Ainda de acordo com o Incra, quando há imóveis privados no território reconhecido, é solicitada a publicação de decreto, expedido pelo presidente da República, autorizando a desapropriação por interesse social. "Diante da complexidade e peculiaridades de cada processo, vê-se que fatores como disponibilidade de recursos humanos, orçamentários e financeiros, capacidade operacional das unidades do Incra, assim como a conclusão do processo judicial de desapropriação, impactam o andamento regular do procedimento de regularização das comunidades de forma diferenciada", afirma o instituto.

Ao menos outras três ações civis públicas já se encontram em curso na Justiça para impedir que empreendimentos sejam construídos na área quilombola. Apesar disso, a situação no local continua implicando ausência de proteção ao território tradicional, sendo o JoanesParque a mais nova ameaça concreta e real, conforme alerta o MPF.

“A longa espera, além de marcar a omissão do Poder Público em não cumprir seu dever legal e constitucional, vai aumentando os obstáculos, ano após ano. O território tradicional da comunidade quilombola de Quingoma precisa de medidas protetivas contra essa real, concreta e impactante investida: o empreendimento imobiliário Joanes Parque – bairro planejado”, sustenta o procurador da República Ramiro Rockenbach da Silva, que assina a ação.


MPF pede à Justiça que determine a imediata interrupção das obras / Reprodução de redes sociais

Pedidos

Diante da situação de violação dos direitos da comunidade quilombola de Quingoma, o MPF requer que a Justiça, com urgência, determine à União que designe equipe técnica para concluir a regularização fundiária, em até 90 dias, da área em utilização pelo empreendimento Joanes Parque, que ocupa parte do território tradicional.

A ação também pede que a União avalie o local e, em caso de indenização a ser paga, que os valores sejam retidos, a cada mês, no montante de 10% dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) destinados a Lauro de Freitas (BA), já que o ente municipal licenciou e autorizou as obras e serviços sabendo se tratar de território reivindicado pela Comunidade Quilombola e constante do Relatório Antropológico oficialmente aprovado pelo Incra. Tentamos entrar em contato com a prefeitura de Lauro de Freitas, mas não foi possível. O espaço segue aberto para que se manifeste.


Quingoma é possivelmente o quilombo mais antigo do país, com registro de ocupação desde 1569 / Reprodução de redes sociais

O MPF pede ainda que o município suspenda todo e qualquer ato autorizativo, de licenciamento ou de natureza similar que tenha sido emitido para o empreendimento imobiliário. E que o estado da Bahia apresente as poligonais das terras públicas estaduais e/ou concedidas no local. À empresa MAC Empreendimentos, pede que se abstenha de planejar e executar quaisquer obras ou serviços relacionados ao Joanes Parque – Bairro Planejado. Também tentamos entrar em contato com a empresa, sem sucesso.

Além disso, requer a condenação da União, estado, município e empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo e dano existencial, como forma de reparação pelos inegáveis danos causados aos quilombolas da Comunidade Quingoma, em montante não inferior a R$ 5 milhões, que deverá ser revertido aos quilombolas.

“O modo de viver dessa comunidade tradicional foi e prossegue sendo alvo de impactos sem dimensão: riscos à saúde, à vida, à subsistência e à própria razão de existir. Nessa trilha, plenamente cabível, portanto, a condenação em dano moral coletivo e dano existencial, a fim de reparar os danos já experimentados pelos quilombolas, sem prejuízo da tutela inibitória com vistas a impedir a prática de novos ilícitos e garantir o cumprimento do ordenamento jurídico nacional e internacional” defende o MPF.

Edição: Gabriela Amorim