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Há 45 anos, Jards Macalé reunia estrelas da música para o show Banquete do Mendigos

Festival que comemorou a Declaração Universal dos Direitos Humanos teve a presença de Chico Buarque, Gal Costa e outros

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Capa do LP lançado em 1979, seis anos após o show realizado no Rio de Janeiro
Capa do LP lançado em 1979, seis anos após o show realizado no Rio de Janeiro - Divulgação
Festival que comemorou a Declaração Universal dos Direitos Humanos teve a presença de Chico Buarque, Gal Costa e outros

O ano é 1973, o último do mandato presidencial de Emílio Médici, um dos mais repressores de toda a ditadura militar brasileira. Sem perspectiva de abertura democrática, algo que só aconteceria dez anos depois, manifestações políticas e culturais esbarravam na censura e na perseguição do regime autoritário. O próximo governo, a partir de 1974, seria o de Ernesto Geisel, que ficou marcado pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog, em 1975, nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo.

É no meio desse turbilhão antidemocrático e ditatorial que os 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), foi comemorada aqui no Brasil. Sob as barbas dos olheiros da ditadura, o compositor e cantor carioca Jards Macalé reuniu seus pares em um espetáculo intitulado Banquete dos Mendigos. Uma tarde épica no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), em uma segunda-feira, 10 de dezembro de 1973.

Cerca de duas mil pessoas assistiram a uma sequência memorável de apresentações, passando por Chico Buarque, Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Gal Costa, Raul Seixas, Jorge Mautner, entre outros.

O jornalista Célio Albuquerque, organizador dor Livro 1973 – O ano que reinventou a MPB, analisa sobre a reunião de tantas estrelas no contexto da época. “É um reflexo da cena musical e política do início dos anos 70. As pessoas se frequentavam muito, e o MAM era um ponto de encontro musical e cultural. No mesmo palco ter Edu Lobo, Luiz Melodia, Macalé, Chico Buarque, hoje pode parecer até um pouco complexo, mas era uma reunião entre amigos. E o Macalé, que sempre frequentou esses ambientes, porque além de grande compositor, é um grande músico, ele conseguiu juntar essas pessoas nesse evento”, diz Célio

Ao longo do show, o poeta e jornalista Ivan Junqueira, diretor do Centro de Informações das ONU no Brasil, ficou encarregado de ler artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Logo no início do espetáculo, Ivan afirma que “o futuro da Declaração dos Direitos Humanos depende de vocês, jovens! Em comum acordo com os músicos do espetáculo, eles me autorizaram a ler artigos desta declaração. Artigo 1º: todos os homens nascem livres e iguais em dignidades e direitos. São dotados de razão e consciência, e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”, diz entre aplausos e assovios.

Se Ivan Junqueira dava o recado aos militares com a Carta que completava 25 anos, os artistas ocupavam seu espaço com letras e músicas contundentes. Célio Albuquerque relembra o repertório contestador do espetáculo. “São músicas fortes, como 'Palavras', do Gonzaguinha, que saiu no primeiro EP dele, em 1973. Tem 'Pesadelo', música do Paulo César Pinheiro, que diz 'se você corta um verso, eu escrevo outro'. Tem 'Ouro de Tolo' e 'Mosca na sopa', do Raul Seixas, que são extremamente políticas. E tem 'Bom Conselho', do Chico Buarque”, relembra o jornalista.

Disponível em plataformas digitais, o Banquete dos Mendigos foi gravado em um único gravador esterefônico semiprofissional, pelo técnico de som Mauricio Hughes. Meses depois do show, Jards Macalé, que assinava a direção-geral do espetáculo, dedicou-se a editar o material para veicular comercialmente.

O fato, no entanto, só ocorreria a partir de 1979, seis anos depois do festival, quando os processos de abertura democrática já haviam começado no Brasil.

Edição: Júlia Rohden