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Seis meses do incêndio no Ninho do Urubu: nós não esquecemos

O Flamengo ainda precisa se resolver com um passado nem tão longínquo assim

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No dia 8 de fevereiro deste ano, um incêndio de grande proporções matou 10 jovens jogadores do clube, que tinham entre 14 e 16 anos
No dia 8 de fevereiro deste ano, um incêndio de grande proporções matou 10 jovens jogadores do clube, que tinham entre 14 e 16 anos - Divulgação/ Flamengo
O Flamengo ainda precisa se resolver com um passado nem tão longínquo assim

O torcedor do Flamengo deve ser um dos mais entusiasmados e eufóricos nesses últimos dias. Os estádios andam lotados, o time está recheado de grandes estrelas (com a possibilidade do italiano Mario Balotelli pintar pela Gávea) e o clube já é reconhecido como um dos mais endinheirados do país. Tudo aponta para um caminho de glórias e conquistas para o Mais Querido do Brasil.

Nem tudo. O Flamengo ainda precisa se resolver com um passado nem tão longínquo assim. Mas que ainda machuca bastante aqueles que possuem um mínimo de empatia.

Uma das maiores tragédias do futebol completa seis meses nesta quinta-feira (8). No dia 8 de fevereiro deste ano, um incêndio de grandes proporções atingiu o Ninho do Urubu, o Centro de Treinamento do Flamengo, em Vargem Grande, zona oeste do Rio de Janeiro. Dez pessoas morreram. Dez garotos entre 14 e 16 anos. Todos jogadores da base do clube.

Não, amigos. Eu não esqueci. E nem vou esquecer o que aconteceu.

Nunca escondi de ninguém que sou torcedor do Flamengo. Nem nas colunas que escrevo e nem nas minhas entradas nos programas de rádio. Vibrei com os gols de Bebeto e Renato Gaúcho e a liderança de Zico em 1987, com a maestria de Júnior em 1992, com o gol de Petkovic, em 2001, e com Adriano e Ronaldo Angelim, em 2009. Ainda assisto aos vídeos de Carlinhos, Doval, Dida, Zizinho e outras lendas no YouTube ou em filmes antigos. Mas o que conquistou meu coração de verdade foi o fato do Flamengo ser um clube democrático. Um clube do povo. Um clube que abraçava a sua gente.

A vida me fez jornalista, mas ainda segui próximo do esporte. O ofício me fez estudar as regras do velho e rude esporte bretão e a história de outros clubes tão vitoriosos quanto o Flamengo. Mas meu amor pelo clube continuava.

Os tempos são outros. De clube conhecido como devedor e bagunçado, o Fla se tornou milionário e gasta rios de dinheiro com nomes badalados do momento. Arrascaeta, Bruno Henrique, Rodrigo Caio, Gerson, Éverton Ribeiro, todos eles vieram depois que a diretoria desembolsou milhões de dólares e euros para reforçar o time. A torcida, por sua vez, fala em títulos e pega no pé dos rivais.

Só que teve muita gente que ainda não se esqueceu do que aconteceu naquele dia 8 de fevereiro. Pelo menos aqueles que ainda sentem um pouco de empatia pelo próximo.

Apesar da boa situação financeira, a diretoria do Flamengo segue fechando contratos milionários enquanto as famílias das vítimas do incêndio no Ninho do Urubu seguem reclamando e pedindo por justiça. É verdade que nem mesmo todo o dinheiro do mundo vai remediar a dor da perda de entes queridos. Mas o mínimo que deveria ter sido feito é um acordo rápido com cada família e o compromisso de dar assistência a elas e aos sobreviventes do ocorrido no Ninho do Urubu.

Vejam vocês… No dia em que a tragédia completa seis meses, a assessoria de imprensa do Flamengo informa que a diretoria resolveu fechar a atividade do dia por conta de uma ação de marketing de um dos patrocinadores do clube. Nada impedia o clube de lembrar a data, de chamar as famílias e fechar logo os acordos de uma vez e acabar com todo esse problema. A falta de diálogo, inclusive, é a grande reclamação das famílias das vítimas do incêndio.

Não, pessoal. Eu não esqueci do que aconteceu no dia 8 de fevereiro.

Concordo que a torcida não deve ser confundida com os dirigentes e estão e que estiveram no comando do clube. Mas a postura de alguns que se dizem “torcedores” é absolutamente lamentável. Estes, sempre que avistam qualquer manifestação de repúdio à postura da diretoria do Flamengo com relação às vítimas da tragédia, usam as redes sociais para despejar todo o chorume de quem está apenas interessado em ver seu time vencer a qualquer custo e não em ver o clube do coração agir de forma humana e solidária.

“Não vi ninguém falar assim depois do acidente com o avião da Chapecoense!”

“Sensacionalismo barato! Falem de outra coisa! Falem de futebol!”

“É inveja do clube mais poderoso do país! Eles vivem de Flamengo!”

O mínimo que todo aquele que se diz torcedor do Flamengo, o mínimo de toda pessoa que tem um mínimo de empatia com o próximo deveria fazer é exigir a punição dos responsáveis, estejam eles na diretoria do clube ou na Prefeitura do Rio (que também vacilou ao não acionar as autoridades competentes diante das irregularidades descobertas). Ao contrário do que estes pensam e defendem, o dia 8 de fevereiro será um dia de reflexão e de relembrar um acidente horrível que poderia ter sido evitado.

Ninguém esqueceu o que aconteceu no Ninho do Urubu. Que isso fique bem claro.

É preciso preservar a memória desses meninos. Para que tragédias como essas jamais se repitam. É preciso reparar a dor das famílias e dar assistência a cada uma delas. Dinheiro pra isso não falta. Se estivesse em falta, ninguém falaria na vinda de Balotelli para o Flamengo. Justo num dia como hoje.

A grandeza do Flamengo não está nos troféus e nos títulos. A grandeza do Flamengo sempre esteve na relação que ela construiu com seus torcedores e seus atletas. E essa grandeza está dando lugar para a politicagem e para a insensibilidade.

Não esqueceremos. E eu recomendo que você também não se esqueça do que aconteceu no dia 8 de fevereiro de 2019.

Edição: Mariana Pitasse