INSPIRAÇÃO

Tetê Brandolim: a história da artista que fez mais de 700 obras após aprender a ler e escrever

Por meio do método de Paulo Freire, Tetê foi alfabetizada aos 83 anos e desde então não parou mais de produzir

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Tetê é especialista em obras de grandes tamanhos decoradas com tecidos de chita - O Jardim de Tete/ Divulgação
Foi no processo de alfabetização que ela finalmente permitiu que a arte desabrochasse

A vida de Tetê Brandolim mudou aos 83 anos. Na época não sabia ler, escrever e nem se via como artista plástica.  Até então, só rascunhos em folha de papel de pão, e algumas criações em guache e aquarela, que guardava em segredo, embaixo da cama.

Hoje, aos 91 anos, a vida é bem diferente. São mais de 700 obras, que têm nas cores vivas o principal atrativo. Ao Brasil de Fato, ela conta de onde vem tamanha inspiração. "Vem de dentro, de dentro do coração", pontua.

Na infância pobre, no município de Monte Azul Paulista, a 400 km de São Paulo. Therezinha Brandolim teve que lutar pela sobrevivência. Filha de imigrantes italianos, a primeira de 9 filhos, Tetê cresceu na roça e começou a trabalhar logo menina, aos 8 anos de idade, na colheita do café e algodão.


Tetê ao lado dos pais em registro inédito que consta em seu livro: O Jardim de Tetê / O Jardim de Tete/ Divulgação

Inspiração em Paulo Freire

Sem ter a oportunidade de ir à escola, ela não se alfabetizou, mas o desejo de ler e escrever sempre permaneceu vivo. A grande mudança veio com a ajuda da professora Jany Dilourdes Nascimento.

Tetê conhecia o alfabeto e já associava a fala com a escrita, um passo importante no processo de alfabetização. Mas o bloqueio, segundo a professora, estava no método de ensino das escolas anteriores, muito infantilizado e longe da realidade de Tetê: uma mulher que criou 5 filhos sozinha, na força do trabalho. 

Utilizando o método de Paulo Freire,  Nascimento passou a adotar na aprendizagem, recursos artísticos, poesias, desenhos, colagens e letras de música. 

"Basicamente, os educadores de  jovens e adultos no Brasil são educadores populares. No caso de Paulo Freire, que foi a nossa inspiração, eles trabalhavam com um projeto que era o estudo da realidade daquela pessoa. Saber quem a pessoa era, onde ela vivia, quais os problemas econômicos e sociais envolvidos no contexto histórico, político, social e econômico dessa pessoa. E foi assim que eu comecei a minha conversa com a Tetê", relembra a pedagoga. 


Exercício do método Paulo Freire praticado por Tetê no processo de alfabetização / O Jardim de Tete/ Divulgação

Da escrita à arte

Assim, Tetê passou a treinar escrevendo cartões para os filhos e netos. Os cartões eram decorados com flores em tecidos de chita, que logo ganharam outro espaço: as telas. 

"Você não sabia quem era aluna, quem era a mestra. A Jany entendeu a alma da Tetê. Ela pegou a receita do pão dela. Ela pegou as músicas que ela gostava, as orações. Aí em três meses ela começou a ler", explica a filha Maria Zulmira de Souza, a Zuzu.

"Foi nesse processo de começar a aprender a ler e escrever que ela finalmente permitiu que a arte desabrochasse. Porque ela já era uma artista. Ela tinha 83 anos de vida guardado dentro dela, mas não saber ler e escrever também não deixava manifestar essa artista que vivia dentro dela", completa.

 O que é mais impressionante nas telas de Tetê, são as decorações com tecidos de chita, que ela recorta e organiza ao longo da obra. Em um quadro de 5 metros, são milhares de recortes, dos pequenos aos grandes. A referência veio dos vestidos que sua mãe costurava para ela na infância.

"A chita é um tecido ícone do Brasil, ela tá em todas as festas populares, ela tá no cinema, ela tá na música, né? E para a Tetê era o tecido da infância dela, que ela recriou na arte", relembra Zuzu. 


Os tecidos de chita sempre estão presentes nas criações de Tetê / O Jardim de Tete/ Divulgação

Inspiração para outras mulheres

Exposições fora do país, participação anuais na Semana de Portinari, e o reconhecimento mais carinhoso, a publicação do livro o Jardim de Tete, em 2019, assinado por Zuzu e pela artista plástica Cristiana Camargo . As conquistas foram muitas nos últimos 10 anos. E a arte de Tetê hoje também reverbera em mulheres com histórias de vida como a dela. 

Na Associação São Joaquim, um centro de convivência para o fortalecimento de vínculos na maioridade, a artista foi convidada para compartilhar sua história com os usuários do espaço, na sua maioria, mulheres que também vieram do meio rural.

A parceria rendeu uma linda borboleta de chita, construída por mais de 600 mãos, e que Tetê definiu como "a maior do mundo". 

"Ela sempre será a nossa borboleta colorida aquela que voa e que está sempre alegrando todo ambiente por onde ela vai desejando que ela continue a espalhar essa sementinhas de amor, de carinho, de conexão", conta a empreendedora social Mônica Rosales, terapeuta na Associação São Joaquim.


A convite de Mônica, Tetê construiu uma "borboleta gigante" feita em parceria com os usuários do espaço / Divulgação

"Vamos movimentar"

Hoje, todos os dias, a artista faz novas criações. Só no domingo, que às vezes, Tete descansa. O ateliê é em sua casa, com tintas, caixas de tecido, e a cola antialérgica que ela mesmo produz.

E a paixão de Tete por obras de grandes tamanhos não tem data para terminar. Até o dia em que não puder mais enxergar, Tete garante que continuará construindo jardins coloridos ao redor do mundo.

"Vamos movimentar, porque a melhor coisa que tem no mundo é movimentar e fazer as coisas", finaliza Tetê.

Edição: Daniel Lamir